domingo, 25 de novembro de 2012

Música No Espírito Santo: Manifestações Em Vitória e Arredores.





Manifestações em Vitória e arredores.

                                                                                         Rogério Coimbra.


Na década de 1830, por razões religiosas, surgem em Vitória as bandas Caramuru e Filarmônica Rosariense. Pertenciam a irmandades devotas a São Benedito. A sede dos Caramurus era o Convento de São Francisco, na Cidade Alta, onde ainda está conservada parte de sua edificação enquanto que, os Peroás, tinham sede na Igreja do Rosário,essa ainda com seu aspecto original, em cima da atual Rua do Rosário. Essas duas bandas eram presença em todos acontecientos em Vitória, desde os cultos religiosos até solenidades políticas, passando pelo carnaval.

 Mas há que separar o técnico do improvisado. Grupos musicais formados por negros alcançaram notoriedade e reconhecimento desde a chegada de D. João VI em 1808. A corte ficou deslumbrada pelo que ouviu em vários pontos da colônia. Eram as orquestras de escravos.

 No Espírito Santo há notícia de um grupo musical de escravos, registrado pelo Bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho, em 1812, quando pernoitou em Araçatiba. Relata o bispo:

“Vim dormir no belo e bem conservado Hospício dos Jesuítas, que hoje é morada e a principal fazenda do meu amigo Falcão, onde ouvi a boa música dos seus escravos...”

Sete anos mais tarde, em 1819, o bispo D. José Caetano retorna ao Espírito Santo e dessa vez registra:

“No dia 20 vim embarcado para a fazenda do Padre Torquato no sítio Barra no formoso Jucu no sítio Jucuruaba, fazenda do boníssimo Joaquim José Fernandes, senhor de 8 músicos que me têm acompanhado constantemente mas que não me parecem tão bons como os de Araçatiba e crismei umas duzentas pessoas que deram onze patacas. Ladainha cantada e acompanhada a órgão pelo incomparável João Barbosa, e muita gritaria por toda negraria.”

Não há muitos registros mas consegue-se captar nas entrelinhas das narrativas a força do duo tambor-viola, evidentemente sustentado pelo descendente africano e indígena, que mais tarde evoluiria para formação das congadas.
Ganhou literalmente terreno a força do tambor aliada à viola e à espontaneidade da dança. O duo viola-tambor era a base da música popular emergente. O brasileiro adota essa forma como expressão mais significativa.

Em suas viagens pelo Espírito Santo, o Príncipe Maximiliano, em 1815, registrou a fabricação da viola aliada ao tambor:

A três léguas da capitania – Vitória – conseguimos pouso para a pequena ‘povoação’ de Praia Mole. Ali numa verde planície um pouquinho acima do nível do mar encontram-se esparsas várias habitações. Numa delas encontramos amigável acolhimento; e como todos habitantes tivessem muito gosto pela música, fomos à tardinha, agradavelmente entretidos com música e dança. O filho do hospedeiro que era muito hábil na fabricação de guitarras (violas) tocava e o resto da meninada dançava o ‘batuque’ entregando-se a estranhas contorções do corpo, batendo palmas e estalando dois dedos de cada mão alternadamente, imitando as castanholas dos espanhóis. Embora os portugueses tenham grande talento natural para a música, não se vê pelo Brasil outro instrumento senão a ‘viola’.


Já em 1818 Auguste de Saint-Hilaire, ao passar pela região do atual município de Aracruz, registrou:

“Saindo de Barra de Riacho encontrei a uma meia légua de sua embocadura vastas pastagens e um lugarejo habitado por índios civilizados que cultivam a terra e criavam gado. [...] Neste distrito os índios civilizados fazem viola para seu uso com a madeira de jenipapeiro e uma outra madeira branca e extremamente leve da qual o nome é tajibibuía.”

Quanto à citação da imitação das castanholas não é de se estranhar esse hábito por aqui pois os espanhóis vieram para o Brasil desde o início da colonização. O padre Anchieta era espanhol. A viola, o violão e as castanholas vieram da península ibérica. Apenas para ilustrar, eis um relato do Padre Antunes Siqueira sobre um cena de rua em Vitória, cerca de 1850:

“Um grupo de 12 meninos, dirigidos por dois guias, cantavam e dançavam ao som das castanholas. Dialogavam aqueles em versos portugueses e castelhanos, e convidavam-se reciprocamente para as folias das festas.”
______(continua)______


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

FELIZ DIA DA MÚSICA.

Santa Cecília, ora pro nobis, conserve infinitamente nossos ouvidos puros, abertos para a música de tantos, como a dos cujas fotos perfilam a galeria deste blog. Não permita invasão de lixo sonoro em nosso mundo, livrai-nos do mau gosto, amém.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Música No Espírito Santo (II) - Os Primeiros Grupamentos



         Música no Espírito Santo: Os Primeiros Grupamentos.

                                                                     
                                  
                                                        Rogério Coimbra.

  Os jesuítas foram expulsos em 1759. Meio século antes o Espírito Santo já se fechara para cumprir sua função de cinturão armado em defesa das minas gerais. O estudioso Oscar Gama Filho considera esses dois fatos como prejudiciais ao desenvolvimento de nossa cultura, consolidando o lugar periférico ocupado pelo Espírito Santo no contexto nacional, com repercussões até hoje.

A cultura capixaba entrou em coma, vindo a ter um início de sobrevida em meados do século XIX, com o início do plantio de café e, paralelamente, com a chegada dos imigrantes, em sua maioria italianos e alemães, além dos escravos africanos. Seria um renascimento.

Apesar do Espírito Santo ser um estado primordialmente indígena até esse momento, pouco ficou marcado como indígena na história de nossa música. Aliás, ignora-se algum descendente de índio que tenha inscrito seu nome na História da Música no Brasil, ao contrário do que sucedeu com os descendentes dos escravos.

A Igreja na verdade repassou muito mais seus ensinamentos musicais ao negro, que mais se interessava pela música e conseguia assim escapar do anonimato, pois para ele era uma forma de ascensão social, ou seja, servir à Igreja através da música era alcançar uma função social mais nobre. As irmandades religiosas adotaram muitos desses músicos.

Na transição do século XVIII para o XIX, as descrições de festas e cerimônias mostram a presença de grupos instrumentais e vocais formados em sua maioria por negros e mulatos, nunca por índios ou mamelucos.

   Em 1828, o presidente da província Inácio Acióli Vasconcelos elaborou um relatório estatístico sobre nossa província, e pateticamente assim ele descreve a atividade musical entre nós:

“A música na capital se compõe de oito pessoas, todas da mesma família e que tocam as mesmas peças em todas as festas, que compõem um rabecão, 2 violinos, 1 flauta e 4 cantores e, se sucede isto com esta arte divina o que acontecerá com as outras!”

Arriscamo-nos a apontar o Major Francisco de Paula Xavier como o personagem citado por Acióli Vasconcelos. O Padre Antunes Siqueira, excepcional cronista dos costumes capixabas, em seus escritos sobre fatos ocorridos a partir da década de 1830, comenta por duas ocasiões:


 “Assim, [...] erguia-se no plano em que termina a ladeira do Palácio [...], junto à velha casinha em que habita a família do major Paula, prestimoso cidadão, antigo mestre de música religiosa e profana [...]”

Ou

“Além dos atos religiosos [...] e nos quais funcionava a música do major Paula cujo instrumental compunha-se de um violoncelo, tocado por ele, de duas rabecas, uma do mestre Inácio [...] outra do padre doutor Alvarenga, e a vocal dos habilidosos cantores de orelha, Marciliano, Inácio dos Remédios, insigne barítono, Manoel das Neves, José Francisco Costa, Náutibus, que entoavam um cantochão figurado [...]”

Informação mais contundente sobre o grupo do major Paula está relacionada ao evento de 5 de maio de 1854, relatado por Maria Stella de Novaes, quando a imagem de São José era devolvida à Igreja de Queimado, na Serra:

“No dia seguinte, dia 6, na Matriz de Vitória, com a presença do clero, do presidente da província Dr. Sebastião Machado Nunes, do povo, da Tropa de linha, Música de Barbeiros do major Francisco de Paula Xavier, etc, procedeu-se a benção da imagem pelo vigário da capital.”  

A música dos barbeiros constituía–se de grupamentos, surgidos em meados do século XVIII, formados por homens livres, autônomos, sem muito esmero técnico, mas de apelo popular, que ocupavam as portas das igrejas e eram presença obrigatória nas festas populares. Pura atividade liberal, ruidosa, de livre interpretação. Desses grupos surgiram as bandas civis. Curiosa a associação à atividade dos barbeiros, profissionais com excelente habilidade manual, não só para a tesoura, como para instrumentos odontológicos e mesmo para socorros como sanguessugas, ou, sangrias.


 Chamavam-se a esses grupos também de ritmo de senzala. Era o nascente ritmo afro-brasileiro. Em meados do século XIX, o Rio, economicamente mais ativo, vê surgir pequenos grupos substituindo os grupos de barbeiros, quando a classe média cria o choro, enquanto que em Salvador, mais lenta em seu desenvolvimento, surgem bandas militares democratizadas para brilhar nos coretos das praças públicas.

                                                                       (continua)


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Música No Espírito Santo - Primórdios.




Música no Espírito Santo: sua origem e formação.
(primórdios e evolução).



                                                          Rogério Coimbra. 




    A história da música feita no Espírito Santo é a própria  história da música no Brasil não fossem os obstáculos impostos em pleno século XVIII quando o Estado ausentou-se do processo sócio-econômico ocorrido naquela ocasião. A formação da música no Espírito Santo obedece ao mesmo roteiro de outras músicas regionais,  que inicialmente contracenam dois elementos, o indígena e o europeu, aos quais se acrescenta pouco depois o escravo negro.

   A disseminação da prática musical em solo capixaba pode ter tido início a partir da chegada dos jesuítas, ou seja, em 1551. A musicalidade do índio sempre foi ressaltada pelos historiadores e Pero Vaz de Caminha já em sua célebre carta descreveu ofícios religiosos e folguedos realizados pelos portugueses em que a participação dos indígenas era imediata e espontânea. Era só o português soprar suas trombetas que o índio imediatamente soprava suas buzinas. Foi uma integração total durante os dez dias em que a esquadra esteve ancorada em Porto Seguro.

Portanto, desde o primeiro momento, o índio esbanjou musicalidade. A música era uma arma usada pelos jesuítas para cativar o nativo. Usavam principalmente as crianças e muitas vezes as enviavam ao Rio de Janeiro para um melhor aprendizado.

Saint-Hilaire, nas anotações sobre sua viagem ao Espírito Santo,  em 1818, registrou que se ouviam com freqüência, na Igreja de Reis Magos de Nova Almeida, grupos musicais formados por índios de extrema habilidade.

   No entanto, a preocupação dos jesuítas era mais a salvar almas do que a de desenvolver a música em si. Com a expulsão dos religiosos em 1759, muito se perdeu, ao contrário do trabalho das Missões no sul: hoje pode-se identificar a harpa como um instrumento da cultura popular entre os descendentes dos índios do sul, principalmente no Paraguai.



   A música utilizada pelos jesuítas entre nós era mais elemento de apoio às montagens teatrais, denominadas autos religiosos; temos registro de três importantes momentos em solo capixaba:

-         Em 1584, com o “Diálogo da Ave-Maria”;
-         Em 1586, com o “Auto da Vila de Vitória ou São Mateus”;
-         E em 1587 com o “Diálogo de Guaraparim”.

Sempre vale ressaltar a presença entre nós de Padre José Anchieta, falecido em 1597, que teria composto músicas na forma de catira ou cateretê, uma dança indígena, para festas em Santa Cruz, Vila do Espírito Santo e Nossa Senhora da Conceição.

(continua)