terça-feira, 9 de novembro de 2010

JAZZ SEGUNDO MARCELO COELHO.

Segundo o amigo e jornalista Rogério Coimbra, essa entrevista foi resultado de "um papo gostoso com Marcelo Coelho, ocasião em que ficamos duas horas no programa Clube da Boa Música, de Oswaldo Oleari, na Universitária FM". Marcelo é hoje em dia um dos nomes mais importantes da vanguarda jazzística brasileira.(Wilson Garzon- Clube de Jazz)

03/11/2010 - Rogério Coimbra - Que músicos Marcelo Coelho ouviu pela primeira vez para levá-lo à música instrumental experimental, então chamada de jazz? Qual foi seu primeiro disco preferido? Qual seu primeiro ídolo? Como escolheu ser o sax o seu instrumento? Quem foi seu primeiro professor? Há influências musicais na família de Marcelo Coelho?
Marcelo Coelho - Fui levado à musica instrumental pelas big bands. O meu primeiro disco preferido foi o "My Song" do Keith Jarret e Jan Garbarek. O meu primeiro ídolo foi o Michael Brecker. O sax foi amor a primeira vista, embora tenha começado na clarineta. O meu primeiro professor foi o Célio Costa, professor da antiga ETFES, porém o Maestro Antônio Paulo foi a minha primeira influência enquanto educador e saxofonista. Não nenhuma influência musical vindo da família Coelho, a não ser o fato de que o meu avô tocava um pouco de acordeom de oito baixos, mas eu nunca o ouvi tocar.

RC – No que se refere aos grandes mestres do saxofone jazzístico, Wayne Shorter levou para si a herança do Coltrane. Correspondeu? Antes de Coltrane, Lester Young ou Coleman Hawkins? Quem foi da harmonia, ou da melodia? Qual o papel de Charlie Parker? Quem hoje seria o herdeiro, ou, quem são os herdeiros de Young, Hawkins, Parker e Coltrane?
MC - O Wayne Shorter foi muito influenciado pelo Coltrane, tanto musicalmente quanto filosófico e espiritualmente. Contudo, Shorter encontrou a sua voz e contribuiu para o desenvolvimento do jazz, principalmente através das suas composições que exploram a sonoridade dos acordes modais. Como improvisador, diferentemente do Coltrane, Shorter não usa padrões ou sistemas; os seus solos são imprevisíveis e porisso a dificuldade em encontrar seguidores (o saxofonista Chris Cheek é o que mais se aproxima). É provavelmente o jazzista mais importante ainda em atividade.

Lester Young influenciou as gerações posteriores em função da sonoridade moderna no sax tenor, ainda presente nos dias atuais, e em função do seu fraseado linear, culminando o seu desenvolvimento no período do hardbop. Coleman Hawkins foi essencial para estabelecer a presença do sax tenor no jazz. O seu estilo foi muito peculiar e caracterizou um período que antecedeu o bebop. Um dos principais seguidores de Hawkins é o saxofonista Joshua Redman.

O Sonny Rollins é um saxofonista que se caracteriza por improvisar de forma melódica e horizontal, ao passo que Coltrane se caracteriza por improvisar de forma vertical, muito focado no desenvolvimento harmônico.

Charlie Parker foi a figura central do bebop. Ele personificou o estilo através da sua forma de articular as frases, a exploração das estruturas superiores dos acordes nos seus solos, a sua liberdade rítmica e a grande virtuosidade no instrumento. Não há como identificar um herdeiro isoladamente. A influência destes pilares do saxofone no jazz está pulverizada na formação de qualquer saxofonista moderno, através dos estudos dos estilos de cada um deles pela transcrição dos solos.

RC – Hoje, a tendência é o aprimoramento do ritmo? Aonde repousa a textura melódica e harmônica?
MC - O momento do jazz hoje é o desenvolvimento da polirritmia. Comparativamente falando, a comunidade jazzística está trilhando o caminho aberto por Igor Stravinsky, com a obra “A Sagração da Primavera”. Aliás, percebo um processo de desenvolvimento do jazz paralelo ao da música de concerto: Coltrane pode ser comparado a Richard Wagner em função da exploração sistemática da modulação. Wayne Shorter pode ser comparado a Claude Debussy em função do uso dos acordes modais e escalas simétricas. O Steve Coleman pode ser comparado a Olivier Messiaen em função do sistematização do seu processo de desenvolvimento rítmico e composicional baseado na astrologia, matemática, I Ching, e outros. Desta forma, se o jazz continuar seguindo os passos já trilhados pela música de concerto, em algum tempo teremos a exploração das texturas harmônicas e processos composicionais complexos no desenvolvimento da composição e improvisação no jazz.

RC – O povo brasileiro leva consigo algum privilégio em desenvolver música? Como é o seu presente e o seu futuro, considerando a diversidade de seu passado, a exemplo dos EUA, hoje culturalmente dominante?
MC - O povo brasileiro é muita cultura, é muita música. A música brasileira representa como uma das mais evidentes formas da identidade nacional, além de ser também um produto de exportação. Somos reconhecidos por isso, como tenho percebido durante as minhas turnês internacionais. Se houver uma política educacional bem feita para o desenvolvimento do estudo da música como complemento nas escolas, em médio prazo teremos uma reafirmação do potencial musical brasileiro. A lei está aprovada, porém está faltando um direcionamento quanto ao sistema de ensino. Esta é a diferença entre o Brasil e os EUA no que diz respeito ao desenvolvimento musical entre ambas as sociedades.

RC – Como Marcelo Coelho hoje circula no mundo, o que faz com quem convive, o que ensina o que aprende?
MC - Tenho viajado muito para Europa e América do Sul em função dos projetos musicais que desenvolvo com músicos destes lugares. Eles têm muito interesse na minha pesquisa sobre linhas rítmicas para composição e improvisação, desenvolvida durante o meu doutorado. Trata-se de um conteúdo original e universal, que não enfatiza a música brasileira, mas qualquer manifestação musical. Tenho aprendido imensamente através destas colaborações, que já começam a se concretizar através de gravações de cds. Recentemente foi lançado o cd “Paralelas”, gravado na Argentina em colaboração com o saxofonista argentino Rodrigo Dominguez. Também gravei no segundo semestre de 2010 mais dois cds: um em colaboração com o guitarrista argentino Ale Demogli, onde contamos com a participação do trompetista Daniel D’Alcântara e do lendário baixista Sizão Machado, ambos do Brasil, além do incrível baterista argentino Oscar Giunta.

RC  – Schoenberg, Mahler,Stravinsky, Debussy, Ravel, Satie na música que nós mortais hoje chamamos de jazz, revestidos conscientemente de aura romântica e espiritual?
MC - Muitos destes compositores já estão presentes no jazz. Bill Evans já aplicava as harmonias de Chopin e Debussy nas suas improvisações. O dodecafonismo de Schoenberg não é mistério para os jazzistas. O que faz com que o jazz mantenha a sua essência, apesar das influências da música de concerto, é a forma com que os músicos se relacionam com a improvisação e com a liberdade na execução. A assinatura artística individual é a única busca. Sendo assim, todos se lançam na busca de sonoridades novas ou originais, muitas vezes originadas da música de concerto, para se expressarem e, quem sabe, conseguir um lugar ao sol.

RC – O que Marcelo Coelho tem a dizer aos jovens que hoje se iniciam na música, além de estudar?
MC - Eles devem saber onde eles querem chegar com a música. Não há certo ou errado, mas apenas o que se deve fazer para alcançar o que desejam. Esta forma de pensar tem me poupado tempo em vida para alcançar os meus objetivos.

RC – Marcelo Coelho nasceu onde, tem quantos anos e o que vai fazer em 2011? Qual o sonho de Marcelo Coelho?
MC - Nasci em Itabira, MG, tenho 38 anos. São várias as atividades e projetos para 2011, mas o mais importante deles será a minha estadia por cinco meses em New York para o desenvolvimento do meu trabalho composicional baseado nas linhas rítmicas.


Marcelo Coelho -

Graduado no ano de 1997 em música popular pela UNICAMP, Marcelo Coelho acumula extensa carreira nas qualidades de instrumentista, compositor, educador e pesquisador na área musical. Como educador, leciona na Faculdade Internacional de Música Souza Lima/Berklee College of Music.
Devido aos trabalhos de pesquisa sobre a utilização da polirritmia em composição e improvisação, Coelho desenvolveu um processo composicional e improvisacional denominado Linhas Rítmicas. O trabalho será lançado em livro pelas editoras Souza Lima Press e Advance Music com o titulo “Linha Rítmica para Composição e Improvisação – Vol. 1
Como instrumentista, Marcelo Coelho já atuou ao lado de importantes músicos de jazz: David Liebman, Phil Markowitz, Gene Perla, Phil DeGreg, Cliff Korman, Sizão Machado, Sergio Barroso, Naylor Proveta, Lupa Santiago e outros. Coelho tem atuado extensivamente com os seus grupos instrumentais: MC4+, MC&RD 4teto, Kyabatt Quarteto, 4teto.ORG, todos trabalhos musicais contemporâneos de sonoridade moderna onde se destacam as composições originais e as improvisações coletivas.

www.coelho-music.com
www.reverbnation.com/marcelocoelho

FINOS FANTASMAS NA ILHA FANTASMA.

FINOS FANTASMAS NA ILHA FANTASMA.


Rogério Coimbra.


Circula um trio de ilustres fantasmas na ilha de Vitória, cidade considerada mal assombrada, principalmente aos domingos. Mas ninguém precisa ficar apavorado. Há gente que se deslumbra e outros nem sabem o que acontece. Na verdade esses ilustres fantasmas são três extraordinários músicos capixabas que conquistam o mundo, compasso a compasso. Eles são simples humanos de carne e osso e seus nomes são Fabiano Araújo, Marc elo Coelho e Bruno Mangueira.
Bruno Mangueira é um estilista sonoro que figura na lista dos 10 Mais. Simplesmente eu o ouvi de uma calçada num sábado à tarde no Wunderbar, Praia do Canto, Vitória, ao lado do outro competente guitarrista, Vitor Biasutti (a melhor base da ilha e bem real). Sua família, Mangueira, desponta das imediações do Parque Moscoso. Eu o ouvi pela primeira vez no extinto Zanzibar da praia de Camburi num show de Toninho Horta, que o chamou ao palco para uma canja cheia de temperos e elogios. Desde lá fiquei extasiado com aquela textura sonora. Bacharel e mestre em música pela Unicamp hoje ele reside em São Paulo e já tocou com os melhores, como o próprio Toninho Horta, Nelson Ayres, Nailor Proveta, Gilson Peranzzetta; vamos parar por aqui. Lançou seu primeiro CD em 2009 com a participação e notáveis.
Fabiano Araújo é da Ladeira São Bento, no centro de Vitória e já foi estudante de engenharia, craque em matemática. Como não poderia deixar de ser, Salsa, feitor de anjinhos com lira, ou seja, o mestre em estimular jovens talentos, teve o Fabiano o acompanhando naquele extinto restaurante Mão na Massa, na Praia do Canto, depois também conhecido como Mão na Moça. Foi quando o jovem resolveu trocar a matemática pela música, o que dá no mesmo, só que Fabiano trocou seu cérebro pelo coração. É fascinante o clip que pode ser acessado na web, uma gravação do concerto realizado em agosto no Teatro Carlos Gomes, executando músicas de Hermeto. Fabiano quando estudante assistia a um show de Chick Corea em São Paulo quando o pianista desafiou a platéia se alguém tocaria a quatro mãos com ele. Não deu outra, Fabiano lançou-se ao palco e não fez feio, ao contrário.
Marcelo Coelho, o Bamban, destacou-se nos anos 90 tocando na Orquestra de Jazz da Escola Técnica sob a batuta de maestro Célio, aliás, outro ilustre fantasma formador de talentos. Depois de ser aprendiz de David Liebman, discípulo de John Coltrane, Marcelo hoje ministra workshops pelo mundo afora, na Europa, Oriente, ensinando o povo a tocar. É um dos sopros mais vigorosos do Brasil e alhures, obedecendo ao sagrado ensinamento do mestre Coltrane, a love supreme.
Nosso bom músico Salsa observa que essa molecada toda passou pela Escola de Música de Campinas, de onde também veio se materializar entre nós o incrível Pedro Alcântara. O baterista Marco Antônio Grijó, fantasmão sênior, afirma que o trio de músicos acima citado é o que há de mais valoroso na história da música instrumental capixaba neste século XXI.
Bom mesmo é pesquisar e deliciar-se com clips e áudios disponibilizados na internet. Googlem Fabiano Araujo, Marcelo Coelho e Bruno Mangueira. Boa caça aos fantasmas de ouro.
Em tempo: Não seriam eles definitivamente reais e, sim, nós, os fantasmas?


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