domingo, 26 de dezembro de 2010

São Benedito.

São Benedito.

Papai Noel não existe. Essa revelação aconteceu graças a um amigo da onça de meu pai, Bernardo Gonçalves. Não sei se a fantasia foi precocemente destruída, mas aquele Natal de 1955 na varanda do nosso apartamento no edifício Antenor Guimarães, na Praça Costa Pereira, em Vitória, foi especial, muito mais iluminada. Vida nova.

Nessa mesma varanda eu me debruçava para ver passar uma procissão religiosa, movida à ruidosa banda de música. O séquito, composto de negros e mestiços em sua maioria que usavam trajes brancos trançados por uma faixa azul e entoavam agudas melodias além de sacudirem barulhentas matracas. Ao final surgia um andor balançante no qual se equilibrava uma pequena imagem de um santo escuro. Era São Benedito. Anos mais tarde vim a descobrir que se tratava da procissão de São Benedito da Irmandade da Igreja do Rosário cuja tradição de devoção ao santo negro em Vitória remontava a 1833 e que se manteve até o início do século XX. Essa peça de resistência desapareceu na ilha nos anos 1950. 

Por todo o Brasil festeja-se São Benedito a cada final de ano, ou em datas diferentes. Convivi com a tradicional festa de São Benedito no município de Serra quando por dois anos fiz parte da organização desse mega evento religioso, realizado entre 8  e 26 de dezembro.Impressiona a mobilização da cidade em torno da organização dessa festa. A devoção supera todas as dificuldades e claro que o profano vem atrás, o que torna a festa mais turbinada.
O ciclo festeiro tem início em oito de dezembro, dia da padroeira da Cidade, Imaculada Conceição. A festa obedece ao seguinte roteiro: cortada, puxada, fincada e derrubada do mastro. O mastro desfila no primeiro domingo após oito de dezembro arrastado por uma junta de oito bois enfeitados com flores e seguidos por centenas de cavaleiros inquietos e destemidos a agitar a multidão que ladeia a procissão. Pelo menos cinco bandas de congo lideram a procissão seguida da tradicional Banda de Música Estrela dos Artistas. No Natal, uma réplica de navio é puxada com o mastro, e dia 26, dia do santo, o mastro é fincado em frente à matriz da cidade e por lá fica até domingo de Páscoa do ano seguinte, quando é derrubado. É uma verdadeira ópera de incontáveis atos movida à fé de centenas de milhares serranos e visitantes.

Em Vitória, quando posso, não me canso em ver a banda passar pela Reta da Penha nas tardes do dia de Natal; vejo e vibro com Reginaldo Salles e seu filho Reginaldinho conduzindo a banda de congo Amores da Lua arrastando uma multidão e a imagem de São Benedito.

Se no meu Natal desde há muito o Papai Noel existe com reservas, São Benedito passou a frequentá-lo naturalmente. E não deixo de escutar o coro popular gritar carinhosamente: Viva São Benedito, ele é preto e é bonito.

sábado, 18 de dezembro de 2010

TURI COLLURA CONVERSA COM NOEL.





TURI COLLURA CONVERSA COM NOEL.

Não sou kardecista mas já consultei alguns por vários episódios curiosos que ocorreram comigo relacionados a Noel Rosa. Minha infância foi farta das execuções de suas músicas pelo meu pai, num estilo especial de tocar violão, valorizando os bordões. E não havia trégua então para rodar o famoso 10 polegadas cuja capa era um desenho de Di Cavalcanti. Confesso que houve um hiato nessa minha relação com Noel. Reencontrei-o intensamente há uns 20 anos e essa intensidade exacerbou-se quando saiu “Noel Rosa Uma Biografia”, de João Máximo e Carlos Didier e de quebra “Noel Pela Primeira Vez”, uma coletânea de 14 Cds com tudo de Noel organizada por Omar Jubran. Aí então surgiram mais fatos ligados ao compositor que prefiro chamar de fenômenos, cujos detalhes quero ocultar. Consultei minha amiga , poeta e cantora Madu, kadercista, e ela confirmou alguns episódios; aliás ela foi uma das pioneiras em shows-homenagem a Noel de uns 10 anos para cá. E tudo que se relacione a Noel Rosa sou sempre movido a observar

Agora me surge um italiano a levar um papo com Noel. Já disse antes, a sensação que tenho é que Noel está vivo, sempre no meio de nós. Turi Collura, há oito anos apenas no Brasil, declara seu amor à música desse gênio carioca e o faz com merecida lisura ao lançar o CD “Conversa Na Vila”, nada de conversa fiada ou conversa pra boi dormir. Ao contrário. Com esmerada produção, direção e arranjos de Paulo Malaguti Pauleira,  Turi deixa de lado sua virtuose pianística para sentar-se à mesa de um botequim, ao lado de sua companheira Neuzinha Escorel, cuja participação vocal, através de um delicado timbre, nos remete a uma atmosfera belle époque bem típica de cem anos atrás, quando nasceu o cronista do samba. Há participações especiais como a do excelente grupo Arranco de Varsóvia num samba- rap- maxixado, o “Seja Breve”, a do competente João Schmid em “Cem Mil Réis”, e a bem humorada interpretação de Marcello Escorel em “Tarzan”, essas duas compostas com Vadico.
Somam-se ao repertório “Quem Ri Melhor”, “Mentir”, “Cidade Mulher”, num saboroso arranjo funkeado,”Filosofia”, com parceria de André Filho,”Fita Amarela” e “Até Amanhã”. Vale registrar a competência dos músicos Domingos Teixeira (violão), Márcio Hulk (cavaco), Zé Luiz Maia (baixo), Joana Queiroz (clarinete), Andrea Ernest (flauta), Edu Szajnbrum (percussão) e as vozes de Andrea Dutra, Cacala Carvalho, Paulo Malaguti Pauleira e do próprio Collura.

Genuína e legítima homenagem de Turi Collura ao amado e venerado poeta da Vila. O italiano rende na verdade um tributo à alma do povo brasileiro que por certo o bem acolheu nesta paisagem tropical. Algum santo repousou sobre si. Seria Papai Noel?
Deixei para o final o registro da última faixa, a única instrumental: a dolente“Último Desejo”, a minha preferida. É justo que num espírito melancólico tão igual criada pelo poeta, Collura expresse sua devoção, numa interpretação capaz de bem traduzir uma separação de amor , uma despedida, bem ao estilo de  Noel. “ Conversa Na Vila”, é papo firme.








segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ADONIRAN, VADICO E NOEL.

Adoniran, Vadico e Noel.
                                                  Rogério Coimbra.

Comemora-se neste ano de 2010 o centenário de três bambas do samba. Dois paulistas e um carioca. Os dois paulistas são Adoniran Barbosa, nascido João Rubinato, e Vadico, nascido Oswaldo Gogliano, ambos filhos de imigrantes italianos. Vadico aos 20 anos mudou-se para o Rio de Janeiro e era um músico de mão cheia: compositor, regente, arranjador e instrumentista. Adoniran não saiu de São Paulo e através de suas letras foi traçada a mais fiel crônica dos paulistanos, principalmente os de camadas mais populares onde brasileiros se misturavam a imigrantes de várias partes do mundo. O alicerce de sua carreira foi o grupo Demônios da Garoa, nos anos 1940 e o maior divulgador de sua obra, que ao lado do grupo Os Cariocas, são os dos mais antigos conjuntos vocais ainda em atividade.
Vadico por sua vez, dada sua habilidade musical, esteve diversas vezes trabalhando nos EUA, onde também estudou, sendo o pianista de Carmem Miranda e do Bando da Lua; lá permaneceu entre 1939 e 1954. Conheceu Noel Rosa em 1930 quando colocou letra no primeiro samba da dupla: “Feitio de Oração”, lançado em 1933, vindo depois “Cem Mil Réis”, “Feitiço da Vila”, “Pra Que Mentir”,”Provei”, “Quanto Beijos”, “Tarzan, filho do Alfaiate”, entre outras. Retornando ao Brasil sempre esteve à frente de grandes orquestras sendo a mais conhecida Os Copacabanas, atuando também como pianista nas antigas boates cariocas Fred´s e Sacha´s.
Já Noel, ah Noel, que todo mundo conhece e venera, sempre foi visto como gaiato, mulherengo, poeta, o primeiro e absoluto cronista do samba: uma figuraça. Ele parece que está vivo entre nós. Quem não viu vale assistir ao filme “Noel Poeta da Vila”: muito bem feito. E por nossa ilhota ele esteve, em 1934 quando o Regional de Benedito Lacerda, com Canhoto, Russo do Pandeiro e próprio Noel apresentaram-se em Campos, RJ, Muqui, Cachoeiro, Colatina e Vitória. Que confusão. Tentou dar cano no hotel, em Vitória fugiu, de trem, foi pego na estação de Muqui, ficou preso em Vitória e foi libertado pelo Alcibíades Monjardim, pai da cantora Maysa. Ficou uma boa temporada, comendo ostras no mercado da Capixaba bebendo cachaça além de paquerar e se apaixonar por todas garotas da ilha. Seu séquito era o Monja, Clóvis Gomes, tio de Rubinho Gomes, Paulo Fundão e tantos outros que devem ter aprontado bastante nas pacatas madrugadas de Vitória.

Seus biógrafos dizem que gostava da companhia de marginais barra pesada e, em Vitória, andava com um temido guarda-costas quando numa noite, apertado, resolveu aliviar-se nos jardins da Praça Costa Pereira. Impedido por um guarda-noturno, foi autorizado pelo amigo e ali mesmo abaixou as calças. O escritor Reinaldo Santos Neves ao saber do episódio foi categórico: deveria haver uma placa com os dizeres “Noel Rosa Cagou Aqui”. Afinal, há muitos bustos ali instalados de políticos e figuras desconhecidas do povão, povão esse que costuma reclamar de tantas cagadas dos políticos sobre suas cabeças.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

FLÁVIO SPIRITO SANTO.

Rogério Coimbra.


Quando saiu o livro de Nelson Motta “ Noites Tropicais” em 2000, não perdi tempo e garanti um para mim. Na página 284 deslumbrei-me com o texto que assim começava: “ NO VERÃO de 76, em BÚZIOS, conheci um roqueiro capixaba, um bicho muito louco e de simpatia esfuziante, que usava o nome de guerra de Flávio Spiritu Santo (sic). Ele tinha uma banda de rock e veio com um papo de fazermos um festival em Saquarema, junto com um campeonato de surf, disse que conhecia o prefeito que já tinha um local (um estádio de futebol) e que sendo fora do Rio, seria mais fácil fazer...” Liguei e ele ficou meio de nariz em pé senti isso ao telefone pelo tom de sua voz e que não havia autorizado nada e coisa e tal. Nesta semana de dezembro de 2010, saiu na Revista de O Globo, matéria sobre o tal festival e justamente ele abre a matéria Liguei de novo. E aí ? De novo nas manchetes com o seu festival; compra O Globo. Ah, pensei que você tivesse ligado para me dar os parabéns antecipados pela vitória do Fluminense.


Flávio Rodrigues, um dia partiu para o Rio e não mais voltou à sua terra natal, Vitória. Instalou-se num apartamento na Buarque de Macedo, meio Flamengo, meio Catete, e lá permanece. É figurinha popular pelas ruas do bairro, sempre acenando e cumprimentando as pessoas, assim como ele é bastante saudado.
Trombei com ele outro dia no Largo do Machado e ele me falou de planos de gravar um DVD no Canecão. Pelo menos o Canecão fechou, para não frustá-los em seus sonhos roqueiros. Teve uma banda de rock nos anos 70 e fez dois discos independentes.


Adotou o nome Flávio Spirito Santo. Tornou-se o anônimo mais popular no mundo rock justamente devido aquele festival Som, Sol e Surf de Saquarema, em 1976. Emblemáticamente Saquarema abriga outra figura folclórica do rock: o velho Seguei, hoje com 77 anos e é mantido pela municipalidade como atração turística.

Flávio Spirito Santo não alcançou ainda esse status mas, bem que merecia, por manter acesa a luz de seus sonhos em ser um pop star, um Van Halen, por exemplo. O tempo nos dirá.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

AS 7 MARAVILHAS DA MÚSICA.

1 – Ritmo.
O ritmo é a música em si. É a ordenação do movimento, é a pulsação da música, é o intervalo que se estabelece entre um batimento e outro; sem ritmo não há música. Ritmo é matemática e na música ele se define pelos compassos que define como a música caminha, qual a batida forte, qual a batida secundária, qual padrão, qual modelo a ser adotado por uma determinada música. Cada cultura adota uma postura para trabalhar o ritmo. A cultura ocidental é mais rígida, mais exata, com divisões como 2 por 2, 2 por 4, 4 por 4, 3 por 4, 6 por 8 e por aí vai. Por sua vez a cultura oriental usa ritmos mais complexos, cruzados, com marcações de 7 batidas ou 13, num indo e vindo de sugestões. A música africana é a rainha da polirritmia e que veio influenciar profundamente a música de todas as Américas, dos EUA ao Brasil, passando por Cuba, além de contribuir para pesquisas no campo da chamada música clássica através de nomes como Stravinsky, Béla Bártok, Ligeti, entre outros, desorganizando qualquer padrão rítmico, mas, ao mesmo tempo, reorganizando-os.


2 – Melodia.
A melodia está no canto dos pássaros. Na música ocidental existem sete notas e mais cinco notas “acidentais”, os bemóis e os sustenidos, criando a escala de doze sons. É a linha principal de uma música com variações de altura, podendo ser um som alto, agudo, médio, ou baixo, grave. O ritmo determina como ela caminha e só pode faze-lo sobre um trajeto bem construído, em consonância com a terceira maravilha, a harmonia. A melodia pode ser bem temperada como assim organizou Bach, com frequências sonoras padronizadas, o que determina a tonalidade ou pode ser subvertida a partir dos revolucionários Schoenberg, Berg, Webern, Messiaen, isso na primeira metade do século XX, tornando a melodia partida, curta, apressada, sem tonalidade.


3- Harmonia.
Enquanto o ritmo e a melodia caminham, sob eles há um conjunto de notas que determinam a harmonia, uma simetria de sons, ordeira, que são os acordes da harmonia, ou seja, os sons estão de acordo com a melodia. Caso contrário poderia soar “desafinado”. Mas esse conceito do belo, de uma estética romântica também foi rompido no início do século XX com os compositores acima citados e diferenciada pela música impressionista de Debussy, Ravel e Satie, com um sistema de modos diversos para acompanhar a melodia, como já faziam os antigos, como os gregos.


4- Composição.
É a reunião das três primeiras maravilhas. É a criação do homem, a verve iluminada pelo divino, como pode ser uma fria coordenação de elementos fiscos e matemáticos. É a obra musical.


5 – Execução.
Relaciona-se à habilidade humana, a técnica de efetivar a obra musical, valorizando-se pelo lado emocional explorado pelo instrumentista. É o sentimento, o feeling, a prospecção da alma daquele que é o objetivo da criação e execução da música: o ouvinte.


6 – Audição.
Empatia. Pronto, fechou-se o ciclo. Salas de concertos repletas de ouvintes aplaudindo de pé ao final da execução de uma obra. Gravações de discos que vendem milhões. Aprovação da composição e da interpretação. O sistema aciona o feedback e a música continua, com todas a suas maravilhas a suavizar, ou revolucionar o mundo.


7- O silêncio.
É a maior de todas maravilhas. Nos anos 1950 o compositor norte americano John Cage apresentou uma peça para piano intitulada 4´33, no Carnegie Hall. Foi um silêncio total durante 4m33s, ele diante do piano, estático e o único ruído que se ouvia era o virar das folhas da partitura. O silêncio nos faz escutar nossa música interior. Ouvidos atentos no silêncio acumulam a (des) harmonia do cotidiano, da natureza, o próprio caminhar da vida.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

RESISTÊNCIA.

Rogério Coimbra.

Claro que a Resistência, a maior das resistências foi a francesa aos ocupantes em seu pais. Refiro-me aqui às resistências e mudanças de atitudes, comportamentos, praticadas por bons amigos meus. Semana passada escrevi sobre minha Fada Madrinha, Beatriz Abaurre. Comuniquei-lhe o fato através de um simples telefonema. Ela então me disse que não tinha internet e que eu deveria mandar-lhe uma cópia via postal. Correios? Onde fica isso? Depois de muito desentendimento ela conseguiu passar-me o e-mail do neto. Tentei mas voltou. Para não mais incomodar, imprimi o texto, a cópia da mensagem de failured, e resolvi seguir o conselho da madrinha, já a essa altura, sem o título de fada, apenas uma mortal madrinha: mandar uma cópia via postal.
Descobri que não tinha envelope, apenas um daqueles enormes. Como deduzi que seria um desperdício, fui a uma papelaria comprar aqueles envelopes tradicionais. Surpreendeu-me que não mais faziam daqueles com enfeite verde e amarelo nas bordas. Em casa, tive dificuldade de dobrar três folhas papel ofício, para fechar o troço. Nem que tivesse cuspe ainda daria para vedar a correspondência. E a cola? Teria que voltar à papelaria pra adquiri-la. Usei o grampeador, única ferramenta do passado que utilizo para literalmente grampear minhas contas e comprovantes d e pagamento. Todo esse drama por um simples ato de resistência da minha mortal madrinha. Agora ela já não me é tão fada, mágica, apenas uma simples madrinha. Por que as pessoas resistem tanto às mudanças?
Participo de uma confraria cujos confrades discutem os caminhos do jazz, mas ao mesmo tempo resistem caminhar por novas trilhas. Percebi isso agora. Para eles, jazz, só o praticado antes dos anos cinqüenta; então não sei qual caminho se discute- tá tudo bloqueado. O presidente, meu amigo Ronaldo, só há pouco mais de dois anos passou a usar relógio de pulso e, para espanto de todos, no braço direito. Os mais conservadores o alertaram, mas não houve jeito. Celular também foi outra ferramenta por ele adotada há pouco mais de um ano, mas, não sabia usar. Os confrades concluíram que isso era coisa de mulher, a dele, claro. Também anda agora com uma mochila tal qual um ginasial e que ninguém se atreve perguntar o que ele carrega na dita cuja. Tem carro, mas não dirige. O outro, Joãozinho também tem carro, mas não dirige. Liguei para ele há um mês e sua esposa atendeu e comunicou sarcasticamente que ele havia saído, para fazer a revisão do carro. O outro, Xico Bento, tem um Gol 82 que não sai mais da garagem porque está mal das rodas; como ele mora numa pirambeira do Barro Vermelho, não sai ele, nem o carro. Há sempre um Cristo para buscá-lo para as reuniões, e supermercados. Celular, internet, nem sonhando. Seu grande avanço foi um PhilipsShave para barbear-se trazido por um piloto da Pan American. Comprou um home theater só para ouvir música em formato de DVD que o confrade Gummer produz. Esse é outro resistente que não vai a casamento, batizado e nem a enterro de ninguém porque não abre mão de seu traje oficial: bermuda, chinelo e camiseta regata. Agora agüentem: foi-me revelado que o Gummer foi ao aniversário do Paixão, de calça comprida e camisa social e, quem lá parece? Nada menos do que o doutor cais do porto de bermuda, chinelo e camiseta. Além dos comentários maldosos, Gummer, envergonhado, tentou afogar-se num mínimo cálice de vinho do Porto.
Querem mais resistentes? Vamos lá: Mr. Young, o enciclopédico do grupo, não abre mão de seu figurino em cores azul e preto além de detestar congo e a música Over The Rainbow. Tem mais. O irmão do presidente, Joazão só ouve vinil e provavelmente sustenta Golias e seu sebo na avenida Capichaba,como ele faz questão de chamar a atual Jerônimo Monteiro, e com ch mesmo. Também o confrade Paulo, escritor, que abandonou a cachaça e a escrita por uma filmadora: vive nas tertúlias buscando o melhor close de meninas nas platéias; pior que nesses eventos só dá marmanjo, e marmanjo Pink. Resistente também é o Pedro Telemar que decidiu manter o roteiro Vila Velha – Vitória de 30 anos atrás. Esqueceu-se da Terceira Ponte e desceu a av. Champagnat na contra mão, enfiou-se pela Glória e por aí veio, como se o prefeito ainda fosse Américo Bernades com Tuffy Nader dando seus pitacos.
Ainda tem o Paixão aos 85 anos; chamá-lo de resistente seria eufemismo, mas, adora Rosemary Clooney, não tem celular, internet e ainda usa seus bonés e casacos que trouxe dos EUA quando lá morou na década de 40. Pelo menos não resistiu ao charme e pernas de Diane Krall. Tem outro, Fernandel, proprietário de um Gol 0 KM mas que não resistiu e manteve a sua velha Paraty de 1985 calada em sua segunda vaga de garagem de seu edifício.Talvez seu único ato contemporâneo foi o de ir à Argolas para uma vernissage vanguardista de Ronaldo Barbosa, no Museu Ferroviário. Apaixonou-se.
Mas porque tanta baboseira? Deve ser pela resistência constante e progressiva das pessoas e também minha, por que não? Não resisti e localizei via internet uma agência dos Correios e postei a crônica para a minha madrinha Beatriz: custou-me setenta centavos e também um pouco do meu humor. Em tempo: uma das minhas resistências é tomar vinho, o que me assusta por vir a ser rejeitado pelo meu Blogueiro chefe, enólogo, diga-se de passagem.
Agora um conselho: a essa altura da vida, sejamos mais tolerantes, senão fica tudo muito chato.

ANONIMATO.

ANONIMATO.
Rogério Coimbra.

Vagueio anônimo pelas ruas do Rio. Já tenho na verdade em Laranjeiras, onde me alojo, alguns conhecidos, como se diz, de vista, ou de papo rápido, os quais são por mim cumprimentados ao por eles cruzar: seja ambulante, porteiro, vizinho, morador de rua, como a Da. Norma que reside sob o viaduto Santa Bárbara ou tradicionais “copistas” que sobram na rua pelas portas dos botequins e, quando a eles adentro, sou um bom confessor como ocorre em qualquer bar do mundo.

Então não sou tão anônimo assim, apenas meio manjado, como não o sou definitivamente na minha Grande Praia do Canto, que vai do canal de Camburi à Avenida Leitão da Silva. Anônimo sou em Jardim da Penha, Jardim Camburi e Praia da Costa.
Hoje o anonimato predomina em certos espaços os quais frequento.

Assisti a uma peça de teatro na Ufes, onde havia 600 espectadores e, depois de observar a longa fila e percorrer o olhar sob a platéia, eu, capixabão da gema, só identifiquei um conhecido: o Professor Arlindo Villaschi. Ele riu quando comentei esse fato e ainda mais sobre o meu espanto quando uso a ponte aérea Vitória - Rio, pelo menos uma vez por mês: não identifico mais ninguém no aeroporto ou no meu vôo.

Estranha sensação, diferente da de anos atrás quando todos se saudavam ou pelo menos sorriam ou acenavam. Estará minha geração indo embora? Agora ficamos nós desconhecidos na sala de embarque, um olhando para a cara do outro com cara de bunda, isso quando a metade não está com a cara enfiada em seus laptops, fazendo não sei o quê, haja visto não haver Wi Fi nos aeroportos e a autonomia das baterias das engenhocas têm limite de duração.

Há gente que finge ler um livro com aspecto de ter sido recém adquirido no próprio aeroporto. Prefiro ficar com os cara de bunda, imaginando como vai ser o vôo, se o avião vai engolir algum urubu no ar, se vai haver turbulência, etc. Já que não tenho com quem conversar e espantar maus pensamentos, resta-me rezar. Serei anônimo também nos céus?

Há o contrapeso do anonimato: a super exposição, às vezes altamente gratificante. É quando você está na sua tribo. Sexta passada fui ao TribOz, fantástica casa de jazz na Lapa cujos proprietários, Jessica e Mike Ryan, não me tratam como anônimo pois sou freqüentador de primeira hora. Assisti a um belo concerto de Cliff Korman que conheci com Ava Araujo em Vitória e lá encontrei o baixista Paulo Russo e um velho amigo, Milton Machado.

Foi também o que aconteceu comigo domingo retrasado quando fui assistir ao show de Wanderson Lopes, o Wandinho no Teatro do Sesi, em Vitória. Além da prazerosa música, encontrei muita gente legal para um papo ligeiro: os músicos Fábio Pestana, Bruno Venturini, Mário Ruy e seu filho Gabriel, Paulo Sodré e sua filha, produtora Júlia, Turi Collura , Neuza Escorel, Alza Alves, Saulo Simonassi, Ava Araujo, Victor Biassutti, o fotógrafo Tom Boechat, o jornalista e cineasta Victor Graise e trupe, o produtor Thiago Espírito Santo, o médico artesão artista Dan Mendonça, o clarinetista jurista Ricardo Dalla, ufa, sem contar todos seus pares.

Prazer maior foi envolver-me num clima amistoso proporcionado pelos violões de Wandinho, sem pop rock, concentrando-se numa atmosfera identificada com as origens de seu instrumento, evocando Villa Lobos, Baden Powell além de suas próprias composições repletas de instigantes ritmos. Foi bom vê-lo com os talentosos Pedro Alcântara e Fabiano Araujo, ambos portando acordeons e contraponteando os seus solos, e com a participação do saxofonista Roger Rocha, o baterista Edu Sjzabrum e o baixista Caco Dinelli.

Depois de tanta festa e boa música, em pleno domingo retrasado e sexta passada, retornei ao meu anonimato.

UM SOPRO DE ESPERANÇA

The hills are alive with the sound of music. Quem não se lembra de Julie Andrews levitando nas montanhas austríacas no filme “The Sound Of Music” (“A Noviça Rebelde”) com música de Richard Rogers & Oscar Hammerstein, onde a governanta Maria é encarregada de sete crianças do viúvo Von Trapp em meio a turbulentos dias no auge do nazismo. Só mesmo a música para conter aquelas crianças consideradas incontroláveis.

Música também é elemento de disciplina, desenvolvimento e cidadania.

Não foi diferente no Brasil: na era Vargas a educação musical alcançou seu auge quando Villa Lobos regeu um coro de 12 mil vozes de jovens no estádio do Vasco da Gama. Agora, através de lei sancionada pelo presidente da República em 2008, o ensino de música passar a integrar o currículo de todas as escolas brasileiras do ensino médio e fundamental, sejam escolas públicas ou privadas, a partir do próximo ano.

Mais além: especificamente no Espírito Santo os presídios capixabas receberão professores de música e até mesmo gravar um CD, conforme noticiou A Gazeta em sua edição do último dia 20: A iniciativa, inédita no país, faz parte do projeto Começar de Novo, mas ainda não tem data para ser colocada em prática.

- "A intenção é fazer um levantamento, entre os detentos, de quem tem talento musical ou interesse em participar do projeto, A Faculdade de Música do Espírito Santo vai oferecer a qualificação. É possível, inclusive, que quando o preso deixar a unidade carcerária ele tenha a oportunidade de se qualificar profissionalmente", explica o juiz Alexandre Farina do projeto Começar de Novo.

No próximo mês deve ser assinado um protocolo de intenções entre a Fundação Ceciliano Abel de Almeida, Faculdade de Música do ES, Tribunal de Justiça do ES, Ministério Público Estadual, Secretaria Estadual de Justiça e o Instituto Brasilis, esse ligado ao governo da Dinamarca.

Antes tarde do que nunca. Eu, e os da minha geração, certamente fomos privilegiados com o ensino da música quando cursávamos o ginasial, equivalente ao segundo grau de hoje. Ex-aluno do Colégio Marista de Colatina, o Ginásio Nossa Senhora do Brasil, jamais poderei esquecer as aulas de Canto Orfeônico com o Irmão Jaime.

Em nosso repertório, além de inevitáveis músicas sacras, tinham presença maior músicas do folclore e também as músicas de sucesso da época. Dispúnhamos de um harmônio, instrumento semelhante ao órgão, além de peças de percussão e flautas doces, podendo a garotada livremente acessá-los para suas criações individuais ou em pequenos grupos.

Se de repente tudo acabou, de repente tudo retorna, dessa vez com mais recursos tecnológicos e metodológicos. O ensino de música nas escolas brasileiras iniciou-se no século 19, através do solfejo. No fim da década de 1930, Antônio Sá Pereira e Liddy Chiaffarelli (acrescentando depois o sobrenome Mignone devido ao seu casamento com o nacionalista Francisco Mingnone) buscaram inovações, surgindo jogos musicais e corporais e o uso de instrumentos de percussão.

Mas Villa Lobos é a grande referência do ensino da música. Também vale registrar a criação do Instituto Villa Lobos em 1970, no Rio de Janeiro, sob a orientação de Reginaldo de Carvalho, o primeiro brasileiro a trabalhar com música eletroacústica, tornando aquele instituto um centro de experimentação musical. Tive a honra, por que não, de integrar seu corpo discente e ter como professor, entre tantos, nosso saudoso Jaceguai Lins.

Mas isso é outra história. Importante é que a música invada as escolas como sopro de esperança de uma nova cidadania.

Rogério Coimbra

NAS ONDAS DAS RÁDIOS.

Na Onda das Rádios.
Rogério Coimbra.

Sugiro que os menores de 60 não leiam esse texto para evitar que eu me embarace. Os nascidos entre os anos 1930 e 1950, um pouquinho para cima, um pouquinho para baixo, viveram intensamente o rádio. Em nossos lares só havia ele como mídia instantânea e o único vínculo com o mundo. A Rádio Nacional, a Rede Globo de então, marcou minha pré adolescência com nomes como o de César de Alencar, César Ladeira, Manuel Barcelos, Paulo Gracindo, Brandão Filho (Balança Mas Não Cai) Heron Domingues (Repórter Esso) Helena Sangirardi (Culinária), Álvaro Aguiar (O Anjo, seguido de Jerônimo, o Herói do Sertão) e o empolgante Jorge Cury narrando futebol.
Em Vitória, já na adolescência, bom era ouvir Eleisson de Almeida, Esdras Leonor, Jairo Maia e Oswaldo Oleari, e as programações de Edir Costa, Jair Batista e Pedro Vidigal. Depois vieram as FMs e a Cariacica saiu na frente com relativa qualidade e em seguida a Tribuna, bem superior à de hoje e finalmente a confusa Universitária. Essa atualmente conseguiu formar uma grade mais sólida e estável e vem a ser a única opção para se buscar programas de qualidade diariamente e, se ela existe no rádio o que interessa é a surpresa, com qualidade.
De segunda à sexta fico tranquilo quanto aos seguintes programas: o autêntico caipira de Fenando Palhares rompendo o dia, às 6 da manhã, o excelente Terra Brasilis com agradáveis surpresas da nossa música popular,às 8h, o Espírito Capixaba e o compromisso de Rogério Borges com a música do Espírito Santo, às 14h,e, o Rota 104, com memoráveis passagens do rock, às 18h. Nas noites de segunda o Clube da Boa Música, de João Paulo e Oswaldo Oleare e o Som do Jazz de Marien Calixte. As manhãs de sábado são irretocáveis, desde 6 h, passando por César Gonçalves até Mr. James. Domingo é o Brasil com o mestre Tarcísio Faustini. Minha outra opção é a noticiosa CBN. Isso para quem ainda ouve rádio, mesmo acima dos 60, porque hoje rádio é sinônimo de internet. Agora é que são elas.
Como curioso e ávido ouvinte, peço vênia aos congênitos da internet para listar alguns endereços na web de minha preferência. São milhões e milhões deles e ninguém está disponível o tempo todo para tais; prefiro eleger um por dia e deixá-lo como fundo de todas as minhas atividades domésticas, pausando-os quando necessário. Há sempre uma agradabilíssima surpresa.
Também gosto de voltar para casa, abrir a porta e ser recebido por uma surpresa sonora. Humildemente revelo meu cardápio e, quem quiser me sugira outros. São eles:
//pt.delicast.com/radio/jazz/ ou //pl.delicast.com/rádio/jazz ( São quase 600 canais)
www.wbgo.org ( muito jazz)
www.sky.fm/ ( bilhões de canais)
Como não posso perder tempo elegi três para eu bem poder aproveitar, principalmente porque eles dão os créditos e alguns exibem as capas das edições.
Radio_Swiss_Jazz (355) /www.radioswissjazz.ch/em (um leque de músicos originais e de europeus com direito à uma deliciosa locução)
www.wguc.org/ (clássicos clássicos, e os poucos conhecidos, com as referências)
http://radioio.com/genres/Classical-Jazz( boa variedade de jazz, swing, vocais, modernos, standards, etc. Como bônus, clássicos.)
Confesso: é muita coisa.
Enfim concluo que para muitos de minha geração, animais são os melhores amigos do homem, a mulher, o seu eterno desejo, e o rádio, a sua melhor companhia.

FADA MADRINHA.





Fada Madrinha.
                                                                                     Rogério Coimbra.

Perambulava pelo mundo em 1976 quando fui recolhido por Beatriz Abaurre, então presidente da extinta Fundação Cultural do Espírito Santo. Sua gestão foi breve, mas intensa. Realizamos importantes projetos para a cultura local, no meu caso especificamente, para a música regional. A série “Noites Capixabas” pela primeira vez levou ao palco do esnobe Teatro Carlos Gomes nomes que construíram a história da música popular espiritossantense como Nestor Lima, Harley Quitaes, Maestro Antônio Paulo, o pai, Joracy Serrano, Silvio Roberto e a ala de compositores da Unidos da Piedade. Eleisson de Almeida era o apresentador, um luxo. Houve protestos vindos do Palácio Anchieta – como essa gentalha poderia frequentar uma requintada sala de espetáculos? Lembro-me de um cachacista convicto, sambista por profissão, que não parava de cuspir no foyer. Jarbas Silva, eterno guardião do teatro, elegante como sempre, pedia generosamente para o cachacista sambista não cuspir no foyer. Fio, foier o quê? Cospe meu , cospe, disse eu, esse chão também lhe pertence. Está bem, Rogério, mas pede para não cuspir muito, pois o show já vai começar, já tocou o terceiro sinal. Isso tudo sob a benção da presidente Beatriz Abaurre.

Sob sua benção realizamos também um espetáculo inesquecível em 17 de março de 1977: Art Blakey & Jazz Messengers, no ginásio de Esportes da UFES. Foi o próprio lendário baterista que declarou em papo informal que em Vitória, sua última escala de uma extensa excursão pelo Brasil, tinha sido o melhor show que havia feito. Isso porque o ginásio estava lotado de jovens e um deles, pulou para o palco, em pleno show, para lhe oferecer um joint, ou seja, um baseado mesmo. Thank...,later, later..., gritou, enquanto rufava os tambores com um enorme sorriso. Também graças à campanha criada por mim e o saudoso Arlindo Castro na rádio Espírito Santo onde Edu Henning bravejava: Atenção cocotas, surfistas e ciclistas, venham conhecer o baterista que influenciou Jimmy Hendrix. Propaganda enganosa, eu sei.

Minha ex-presidente proporcionou-me também a oportunidade de participar do II Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira, realizado em outubro de 1976, no auditório do MEC, no palácio Gustavo Capanema, aquela maravilha arquitetônica projetada por Lúcio Costa, Carlos Leão e Oscar Niemeyer, pitacos de Le Corbusier. E lá conheci gente como Lúcio Rangel, Fernando Lobo, Capiba, Capitão Furtado, Sérgio Cabral, entre muitos, e cinco que se tornaram meus amigos, em particular o paraense Waldemar Henrique (Tamba Tajá), o historiador carioca Ary Vasconcelos, o malandro jornalista carioca Roberto Moura, esses já encantados, e o incansável produtor paulista, João Carlos Botezelli, o Pelão, além do pesquisador mais importante que este país já teve José Ramos Tinhorão, hoje com 82 anos. Aprendi e ainda aprendo muito com eles, graças à minha fada madrinha.

No entanto a fada Beatriz realizou o melhor dos meus sonhos quando ajudou a mim e à minha então colega Carmélia M. de Souza, a realizar, em 1965, o show “Depois do Carnaval”, no antigo Iate Clube do ES. Manoel Nalim, Carmélia e eu desenhamos esse evento para despertar a sonolência pós carnaval e que teve ativa participação do meu blogueiro chefe Don Oleari como narrador mestre. Os músicos eram Jorginho Seade, Afonso Abreu, Mário Ruy e Virgínia Klinger. Melhor descrição é o da própria Fada Beatriz, publicado pela Prefeitura de Vitória, em 2000, em “Escritos de Vitória – Vitória de Todos os Ritmos, n° 19”:

Lembra-se de quando teve início nossa indestrutível amizade (ou seria cumplicidade?). Você, Rogério Coimbra e Carmélia de Souza, a “Féia”, que não conhecia uma nota musical sequer, mas delirava com a música que tocavam, sempre com o eterno copo de uísque na mão, os olhos brilhando atrás de seus óculos de armação escura – uma espécie de guru ou fada madrinha, responsável artística pelo evento apresentado pelo impecável e elegante Oswaldo Oleari e com direito ao maravilhoso canto de Virgínia Klinger – sempre presente e eterna mentora intelectual das idéias mais brilhantes e inconcebíveis.
Foi assim que um dia invadiram minha sala, ousando pedir meu piano emprestado para a festa de aniversário do nosso quase privativo Iate Clube – uma verdadeira ilha dentro de outra ilha. Como não ceder a tal poder de persuasão? E desce o piano ladeira abaixo, janela arrancada com tijolo, argamassa, vidros, caixilhos de madeira e parte da parede jogada ao chão, apenas os cachorros vigiando a casa arrombada.

Assim disse Beatriz: se Carmélia era uma fada então sou privilegiado de ter tido duas fadas madrinhas: a Bia e a “Féia”.

01.12.2010.

15 ANOS SEM TOM JOBIM

15 anos sem Tom Jobim, ou, desafinando no tempo.

Rogério Coimbra.



Tom Jobim. Oito de dezembro. Nome e data emblemáticos. Faz 15 anos que Tom partiu, exatamente em oito de dezembro de 1994. Nesta data, oito de dezembro, comemora-se o dia da Imaculada Conceição, dogma da concepção de Maria, o símbolo da pureza. No Brasil, diversos municípios comemoram o feriado, como nossa vizinha capixaba, a Serra. Dia santo e dia também de celebrar esse músico brasileiro que se fez puro, sem manchas e que nos legou uma música límpida, por que não, imaculada. Impossível praticar uma devoção ao Tom sem resquícios de religiosidade. Afinal não se busca simplesmente a paz de espírito, o conforto da alma, através de uma música tradutora dos bons e dos aflitos sentimentos de cada interior? Tom Jobim sempre acertava ao compor, principalmente quando se tornou parceiro dele mesmo, o homem por inteiro, música e letra. Breve é o dia /breve é a vida /de breves flores /na despedida.
A gente não deve esquecer jamais o Tom Jobim, como não podemos esquecer o Villa Lobos, que partiu há exatos 50 anos, e tantos outros como o Pixinguinha, o Nazareth, o Caymmi e também o Ary Barroso. Quando embarcava para os Estados Unidos para a fatídica cirurgia para destruir o câncer em sua bexiga, às vésperas de sua morte, Tom comentou com sua irmã: Se Ary Barroso e Villa Lobos morreram, eu também posso morrer.

Recomendo duas biografias de Tom Jobim, pra ler, reler, ouvindo seus discos, que são preciosos trabalhos de pesquisa e informação dignos dele: Antônio Carlos Jobim, Um Homem Iluminado, de Helena Jobim (Ed. Nova Fronteira, 1996) e Antônio Carlos Jobim, Uma Biografia, de Sérgio Cabral (Companhia Editora Nacional, 2008), além dos DVDs Maestro Soberano, em três volumes, e A Casa do Tom, em dois volumes, ambos lançados pela Biscoito Fino. Tudo incansável, eterno.

Esta é uma semana de reflexão, de saudade, de muita cisma de corações ao alto, espírito aberto. Ontem, dia 7, os poderosos iniciaram o tal encontro em Copenhague para tratar da saúde da Terra. Tom deve estar de olho. Há uma passagem em sua biografia comentando a hipocrisia alheia em diversos campos, e, por ocasião da Eco-92, um encontro internacional realizado no Rio em defesa do meio ambiente, o real casal Príncipe Charles e Lady Diana foi ao Amazonas e logo lá chegando perguntaram : E a temporada de caça, quando abre? Velha sugestão: deixar tocar a música Forever Green que o Tom compôs, à época, da Eco-92, com o filho, Paulo.

Esquisita mesmo é essa homenagem dando seu nome a um aeroporto. Não combina. Logo após sua morte tentaram nomear uma rua em Ipanema, mas não deu para mexer nos sobrenomes tradicionais já sossegados nos postes das esquinas da zona sul carioca. A última rua do Leblon, ou, a primeira, chama-se Jerônimo Monteiro, o político capixaba do início do século XX. Sobrou o Aeroporto do Galeão, uma ex-base aérea da aeronáutica. Imagino coronéis e brigadeiros traçando estratégias nas salas de comando com seus uniformes e quepes, e Tom lá do alto, sem entender bulhufas. Salvou-se o Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, lugar mais apropriado e conveniente para o maestro repousar, ou o Centro de Estudos Musicais Tom Jobim do Governo de São Paulo. Parece haver só um outro aeroporto no mundo com nome de músico: Chopin, em Varsóvia, mas conhecido como Okecie, e claro que foi idéia dos stalinistas. O resto é nome de político ou militar. E tem outra trapalhada recente. A nova estação do metrô do Rio, a da Praça General Osório, em Ipanema, estava destinada a receber o nome de Tom Jobim. Moradores e entidades protestaram no ato, com razão: vão querer mudar os mapas, a geografia, e o passageiro de primeira viagem pode até pensar que a Estação Tom Jobim pode ser a de acesso ao aeroporto.

É muito chato ficar sem Tom Jobim, com essa saudade dele, de uma música nova que nunca virá, de uma piada, de uma sacada que sobraria na mídia. No próximo mês, dia 25, Tom estaria fazendo 83 anos. Engraçado imaginar Tom octogenário. Sobre seu futuro, a velhice, já considerada por Carlos Drummond, então com 80 anos, como uma merda, conforme confidência ao amigo músico, dizia: Espero descansar, comprar uma bengala, uns óculos novos pra ver as moças de uma distância oficial. Puro chiste jobiniano. Ah, quantas canções não estaria Tom Jobim inventando. Celestiais. Como o azul da Imaculada, cheias de esperança, vida e doçura.

Em tempo: nesta mesma data, 8 de dezembro, em 1980, na mesma cidade onde Tom Jobim faleceu, Nova Iorque, John Lennon foi assassinado no meio da rua, em frente à sua casa . Imagine.

16 ANOS SEM TOM JOBIM.

16 Anos sem Tom Jobim.
Rogério Coimbra.

Oito de dezembro. Tom Jobim. Data e nome emblemáticos. Já escrevi isso por ocasião dos 15 anos sem Tom Jobim. A gente não deve esquecer, apagar. Oito de dezembro é quando no Brasil centenas de cidades comemoraram o dia de sua padroeira, Nossa Senhora da Boa Concepção, a Imaculada Conceição, entre elas Recife, Belo Horizonte, Angra do Reis e, no Espírito Santo Guarapari, Conceição da Barra e Serra, quando se inicia o ciclo natalino que vai até 20 de janeiro. Festas, folguedos, devoção. Um dia santo no qual foi-nos levado o maestro, no qual foi encantado.
Tom Jobim, além de ser escutado, tem que ser lido. Há sempre uma surpresa em suas palavras, um toque de sabedoria, algo esclarecedor, seja com sarcasmo, ou humor, ou com profundidade, atualidade. Nesse momento em que nos deparamos diante da televisão para assistir a espetacularização da tomada dos chamados territórios de traficantes no Rio de Janeiro, nos morro do Cruzeiro e do Alemão, com a polêmica participação das Forças Armadas, Tom Jobim, há 16 anos, pouco tempo antes de sua morte, concedeu uma série de entrevistas e vale destacar essa oportuna declaração sobre a polêmica de o Exército ocupar os morros para combater o tráfico: Você tem que controlar a situação que está aí. Em caso de perigo, ou mato ou morro. Nós temos uma coisa muito hipócrita. Queremos que tudo seja bom, sem o Exército na rua., sem subir o morro. Nos Estados Unidos quando a coisa piora, aparece a polícia e, se ela não der conta, aparece o Exército com tanques e canhões. Mas dizer que é favor do Exército nas ruas é antipático. Temos essa hipocrisia.” (“Antônio Carlos Jobim Uma Biografia”, por Sérgio Cabral; p 393-Lazuli Ed.)
Mesmo longe ele sempre está por perto. Seu envolvimento com as questões da natureza sempre esteve à frente de sua própria criação, o envolvimento com o mágico, com o telúrico, sem perder a delicadeza de tatear a alma dos mortais. Como é bom ouvir Tom Jobim e lê-lo também, repito.
E não há como escapar desta data de oito de dezembro: são 30 anos sem John Lennon( the dream is over). E este ano de 2010 tão cheio de lembranças completando 30 anos sem Bill Evans, 30 sem Cartola, e, 40 anos sem Jimmy Hendrix. É muita coisa.
Como é fecunda a herança desses mestres cujos tópicos ainda desconhecidos possam surgir para nós num longo tempo para admirá-los. Saravá.

ALZHEIMER CULTURAL

Crônica: Alzheimer Cultural
- por Rogério Coimbra

Brasileiro é assim, prefere esquecer. A nossa memória tem preguiça de se exercitar: dá nisso, um autêntico Alzheimer cultural.

A brisa que corre na varanda do Wanderbar, na Praia do Canto, zona norte de Vitória/ES, reúne pessoas que gostam de ouvir e fazer música. Por lá saboreio cervejas, salames, Elianes, Márcias, Andréas, Tiões, Vitores, Heráclitos, Mangueiras, Alcântaras, Oliveiras, e também exercito minha memória musical.

Lá, saboreio um cardápio musical repleto de vários momentos da história de nossa música.

Numa ocasião Eliane Gonzaga interromperreu seu belo canto pra protestar, fosse por isso ou aquilo, lei de silêncio, sei lá. Mas sei que ela, além de cantar bem, sabe também se posicionar em defesa de nossos bens e prática cultural; também não poderia fazer por menos, pois convive com o pesquisador enciclopédico Tarcísio Faustini, mestre da comunicação através de um dos melhores programas radiofônicos do Brasil: “Domingo Brasil” na Universitária FM, 104.7.

E foi ela que me remeteu uma mensagem anexando uma coluna do nosso bom Ruy Castro, publicada na Folha de São Paulo, na qual ele reclama, denuncia a falta de homenagens pelos 50 anos de falecimento de Newton Mendonça, ocorrido em 11 de novembro, músico parceiro de Tom Jobim e quem de fato alicerçou a estética da bossa nova com as notáveis “Samba de Uma Nota Só”, “Desafinado” e “Meditação”.

Quem conhece o valor de Mendonça é o capixaba Cariê Lindenberg de quem foi um fiel companheiro, citado inclusive no livro Chega de Saudade de Ruy Castro. Cariê registrou em seu CD uma música então inédita de Newton Medonça: “Quero Você”. Anos depois ela foi utilizada na trilha do filme de Walter Lima Jr, “Os Desafinados”.

Castro clama para que o parque da Bossa Nova, a ser criado pelo governo do Rio de Janeiro, denomine-se parque Newton Mendonça; seria uma reparação justa, mesma que insuficiente. Aliás, em matéria de homenagem, não pode haver uma das mais despropositadas como chamar o aeroporto do Galeão de Tom Jobim, uma antiga base militar; é esquisito e não combina com o maestro.

As homenagens perenes são necessárias. Entre os capixabas essas deveriam ser prestadas à memória de músicos como Jair Amorim, Mundico, Hélio Mendes, Silvio Roberto, Moacir Barros, Serrano, Alceu Camargo, Ricardina Stamato de Castro, Lycia De Biase, e mesmo do pernambucano Jaceguay Lins, que adotou o Espírito Santo como seu estado.

E - por que não? - Pedro Caetano que cantou Guarapary desde a década de 50.

Claro que faltam muitos entre os acima citados, entre eles Aprigio Lyrio, Arlindo Castro, Paulo Gomes, Alceu Rocha, Ary Monteiro...
Voltamos 460 anos para nos concentrar em Francisco De Vacas, considerado pela historiografia oficial da música popular brasileira como nosso primeiro seresteiro com reputação de exímio violeiro.

De Vacas chegou ao Espírito Santo com Vasco Fernandes Coutinho e foi o primeiro chefe de nossa alfândega, permanecendo no estado por quatro anos. Detalhes sobre sua vinda o historiador Luiz Cláudio Ribeiro bem pode explicar; sobre seu papel como o nosso músico pioneiro, posso depois fazê-lo.
Isso se não for acometido de um Alzheimer pessoal.