segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

LYCIA DE BIASE.


Lycia De Biase

Por ocasião da produção do vídeo  “Maria Stella de  Novaes- Relicário de Um Povo” , de Margarete Taqueti, colaborei cedendo duas partituras que havia garimpado e xerocado na Biblioteca Nacional de autoria de Lycia De Biase, e que felizmente teve um bom uso: foram utilizadas no documentário.  Foram:  Solidão e Allegreto Gioioso, para piano e oboé, executadas por Edilson Schultz (piano) e Mosineide Schultz (oboé), sob a direção do  maestro Helder Trefzger.


 Encontrei-me com essa compositora, desconhecida para a maioria dos capixabas, em 1982, por ocasião de um festival para compositores capixabas de música erudita, produzido por Sonia Cabral para o antigo DEC e que me encarregou de levá-la aos ensaios e ao evento em si, uma espécie de cicerone.  Era uma senhora que carregava consigo a mais branda pulsação para se expressar e o encantamento ao executar suas composições ao piano.  Conversávamos muito sobre a beleza, o mistério e a doçura da música em geral. Por ocasião do festival , entre um ensaio e outro, recebi a dádiva de ouvir alguma coisa da mágica música de Lycia De Biase.  Uma sucessão de notas sedutoras saía do velho Steinway do Teatro Carlos Gomes para nunca mais se afastarem de minha lembrança.  Houvesse definição, seria alguma coisa impressionista, meio Satie, meio Ravel, mas era uma música desprendida, revelada com firmeza e sabedoria.


 Lycia De Biase era conhecida como uma das primeiras mulheres a conduzir uma orquestra no Brasil.  Isso em 1933, momento em que foi executada sua obra Canaã, sob sua regência no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.  Extraí do projeto de Taqueti as informações abaixo.


Lycia De Biasi era filha de Pietrangelo De Biase e Mariarchangela Vivacqua, nascida em 1910 em Muniz Freire.  Aos 16 anos dedicou-se ao estudo do piano com Givanni Giannetti, no Rio de Janeiro.  Seu primeiro trabalho apresentado em público foi um Prelúdio Sinfônico, em 1930, regido pelo maestro Francisco Braga, no Theatro Municipal, onde também foram executadas as seguintes peças:  Intermezzo e os Prelúdios nos. 1, 2 e 3, em 1931.  No ano seguinte Giannetti  regeu  Canaã.  Em 1934 foi a vez dos Poemas Sinfônicos Angelus e Anchieta, também  regidos por ela mesma.  Em 1938, o Angelus  foi difundido em estações de rádio italianas.  Em 1945 sua obra Canaã foi executada em Cape Town, Africa do Sul, regida pelo maestro William Pickrill.


Lycia De Biase aperfeiçoou sua técnica pianística com Magdalena Tagliaferro entre 1946 e 1949.  Em 1971, o regente da principal orquestra do país, a Sinfônica de São Paulo, o aclamado John Neschling, regeu duas peças suas: o “Prelúdio em Ré Menor”, no Teatro Municipal de São Paulo, e “Adágio Improviso Intermezzo”,  na sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro.



Lycia De Biase Bidart morreu aos 80 anos, em 1990, no Rio de Janeiro.  O acervo de partituras de sua obra foi doado à Biblioteca da Universidade de São Paulo.  Seus descendentes diretos declararam que todos os seus direitos autorais estão livres de qualquer ônus para  gravações ou execuções.


Curiosamente e, por que não, lamentavelmente, o único registro sonoro da obra de Lycia De Biase foi o utilizado para o documentário de Taqueti, há 10 anos, gravado em 18 de abril de 2002, no Dourados Stúdios, em Vitória.
Pelo menos há esperança que Margarete Taqueti realize um antigo projeto de vídeo sobre a vida e obra de Lycia De Biase.


Rogério Coimbra
Publicado originalmente em Taru.Art, 20 de abril de 2006

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CARNAVAL DE VITÓRIA: DA FENIX CARNAVALESCA AO REGIONAL DA NAIR.

BLOCO REGIONAL DA  NAIR - Carnaval 2012 - Foto: SALSA PRESS.
Vitória já teve seus carnavais famosos. Hoje o carnaval agoniza na ilha. Uma esperança possa ser a série, mesmo que pequena, blocos de bairros que desfilam uma semana antes da data oficial do tríduo momesco: “Tô Bebo”, “Praia do Canto”, “Regional da Nair”, “Das Noivas”, entre outros. Mas ainda não é suficiente. A agonia talvez possa ser influência de ter-se adiantado a data em uma semana para o desfile das escolas de samba. 

Talvez. Há 50 anos, um pouco mais, um pouco menos, Vitória fervia durante o carnaval. Os clubes tradicionais abriam seus salões desde as tardes de sábado: Clube Vitória, Saldanha da Gama, Náutico, Álvares Cabral. As orquestras eram comandadas por Mundico, Clóvis Cruz. Maestro Antônio Paulo, Maurício de Oliveira, Edson Quintaes, Maestro HO, Luizinho Taj Mahal. Era tradição na quarta-feira de cinzas pela manhã descer a orquestra do Álvares Cabral, quando sua sede era na praça Costa Pereira, e enterrar o carnaval na praça, já sob sol quente. Nas manhãs de sábado blocos sujos ocupavam as ruas.

O centro da cidade era uma multidão fantasiada dançando ao som de sucessos que saiam dos alto-falantes presos nos postes. Havia o tablado, ora na Praça Oito, ora na Esplanada, onde concentrava-se o chamado povão. A praça Costa Pereira era cenária de desfile de dezenas de blocos; o bloco dos índios, formado em sua maioria por uma mesma família, era sempre aguardado e admirado: todos portavam lanças e flechas executando uma coreografia bem ensaiada. O desfile das batucadas “Mocidade da Praia” e “Chapéu de Lado,” que desciam o morro da Piedade, era um dos pontos altos., além da batucda “Santa Lúcia”. Centenas de mascarados se misturavam entre bailarinas e piratas com o único propósito da diversão. Houve uma época em que os frequentadores do extinto Britz Bar saiam vestidos de mulher no bloco “Unidos de Carapeba”. Hoje são rarefeitos os blocos que resistem e saem pelas já não tão cheias ruas do centro.

Já naquele tempo os carnavais dos balneários pegavam fogo: de Conceição da Barra a Marataizes, passando por Jacaraipe, no Riviera Clube e o famosíssimo do Siribeira Clube em Guarapari; recentemente Barra do Sahi, Iriri e Piúma somaram animação mas, nos dias de hoje, o mais simpático e que conserva o bom humor de velhos carnavais é o da Barra do Jucu.

Mesmo sem ter o samba ainda nascido, parece que a turma do século XIX era mais animada. Transcrevo um anúncio publicado no jornal O Espírito Santense, de 04 de fevereiro de 1875:

Alerta, Alerta! Rapaziada de Gosto!
Para que as bucólicas e estapafúrdias circunscrições apologéticas do Carnaval tenham uma importante e enigmática descrição metalúrgica sinfônica, a bem da rapaziada de gosto estrambólico, previne-se com todos os ff (efes) e rr (erres) e a respectiva pontuação preambólica que, nos dias 07, 08 e 09 do corrente, haverá passeios de mascarados ao som do rataplan mefistofélico e do eco atrás do Penedo, por isso convida-se com toda ênfase e pitoresco garbo os amantes do dito supra mencionado bródio para tão faustosos dias de pândega, lindos trajes e belas momices. 
Alerta pois o resto é sorte.
Ass.: Kikiriki

Ou então o anúncio de 31 de janeiro de 1902:

Si haveis de estar em casa
Danado como uma cobra
Curtindo a raiva dos filhos
Da vossa mulher e sogra/
Sai de máscara jocosa
Com guizos e relicário
Para dançares o can can
Lá na rua do Rosário/
Aí temos boas coisas
Bailes bons, à fantasia
Salão arejado
Que outrora não se via/
Quadrilhas e boas polcas
Maxixes e boas valsa
Deveis levar( é preciso)
Boas pernas e boas calças/
Tudo isso bem mexido
Bem dengoso e requebrados
Com pimenta e com adubos
Com graças de mascarado/
Haverá valsas  escótis
E também o contraxaxo
Eu caio, Tereza, eu caio
Por baixo do Bolimbalacho.
Ass: Sociedade Fenix Carnavalesca.

Vitória hoje agoniza. Escuta-se muito o chamado “pagode universitário” e arremedos de “axé music”, aliás estilos anunciados oficialmente pelo governo municipal. Marchinhas carnavalescas vencedoras de concurso em 2011 conseguiram registro em CD. E dai? Quem as executa? O povo as conhece, sabe cantá-las? Não vem ao caso. Vitória mimetizou-se, espelhou-se no Rio de Janeiro e concentrou esforços para fazer um carnaval frechado de dois dias, fora do calendário oficial, gregoriano, religioso. A quaresma do capixaba é diferente do resto do mundo. Tudo que é empurrado de cima para baixo não funciona. O que funciona o povo deixar ferver o carnaval em suas veias, mas, o natural é que Vitória se esvazie cada vez mais nos carnavais dito populares.

Agora, uma turma vai para as praias, outra para Salvador, ou então para Ouro Preto, e, para a glória do Rio de Janeiro, claro. O resto vai chupar picolé na Praia da Costa. O féretro da folia carnavalesca de Vitória fica num vai e vem na Av. Jerônimo Monteiro, no centro, próximo à praça Oito. E as criancinhas encontram abrigo nas matinês na Escola FAFI.

Não é culpa do governo, não é culpa de ninguém. A culpa é do caranguejo.Quem manda promoverem o pobre crustáceo em símbolo da identidade capixaba? Ele vive em desandada sem gostar muito de andar para frente. Bem fez o “Regional da Nair” que não desceu o morro, como costumava o samba descer. Subiu, subiu a Rua Sete. Já é um bom sinal, subir. Vamos para cima, carnaval de Vitória. Força.


 
                         

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CARNAVAL, FESTA MILENAR.




Desde os tempos de Cristo, tanto no Egito como na Grécia, o carnaval era comemorado em função dos períodos de colheitas ou mudanças de estações mas sempre obedecendo as mesmas características, tornando-se festas públicas, com uso de máscaras e manifestações folclóricas.

A introdução do carnaval no Brasil deu-se através do Entrudo, trazido pelos portugueses da Ilha da Madeira, Açores e Cabo Verde, que consistia em brincadeiras com loucas correrias, mela-mela de farinha com água de limão e ovos. O Entrudo era de mau gosto e grosserias, acontecendo num período anterior a quaresma, e buscava radical liberdade de expressão, sentido esse que permanece até os dias de hoje no carnaval, mas sem mela-mela.

O pesquisador Ary Vasconcellos considera o período entre 1870 e 1919 como uma das fases mais encantadoras da música popular brasileira, um período que corresponderia de certa forma à Belle Époque francesa, entre 1880 e 1914. Acontece que a influência francesa era total. Os carnavais dessa época eram movidos a scótis, polcas e valsas, bem ao estilo europeu. O choro surge em 1870 e sua estrutura musical era essa. Em 1873 popularizaram-se os Ranchos, surgindo depois as Marchas-rancho, que por sua vez tinham ligações com as tradições natalinas e dia de Reis com seus pastores e pastorinhas. Como não lembrar do sucesso de carnaval “As Pastorinhas”, de Noel Rosa e Braguinha?

Havia também o Maxixe, mas essa era uma dança proibida, um caso de polícia. As danças eram o tango, a valsa, a quadrilha, scótis ou xotes. O samba ainda não tinha ido para as ruas. Com o surgimento da lança perfume em 1899 esse tornou-se febre no carnaval de 1900, substituindo as bisnagas que só jogavam água. Nesse carnaval é lançada a marcha “Ô Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, uma referência carnavalesca até hoje. Mas o carnaval que herdamos e se mantém até hoje, dá-se nos anos 1916, quando surge o samba e a presença das baianas nos desfiles. Os blocos eram liderados por jovens de bairros de classe média do Rio de Janeiro, embalados por choros e tangos. Era o carnaval que se moldava. 

E hoje, 2012, os blocos do Rio, centenas deles, são de classe média e o carnaval de rua carioca já está chegando perto do carnaval de Salvador em termos de adesão e animação. É o ciclo da vida. Vitória também ver crescer seus blocos de bairro. Ontem foi dia do Bloco da Praia do Canto , organizado no Bar do Henrique, na rua Aleixo Neto. A cada ano ele evolui. Para a cidade de Vitória, como um todo, restou um pouco de tristeza principalmente pela antecipação da data de desfile das escolas de samba. A cidade quis assim, um carnaval melancólico no calendário oficial dessa milenar festa popular.