segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Música No Espírito Santo (II) - Os Primeiros Grupamentos



         Música no Espírito Santo: Os Primeiros Grupamentos.

                                                                     
                                  
                                                        Rogério Coimbra.

  Os jesuítas foram expulsos em 1759. Meio século antes o Espírito Santo já se fechara para cumprir sua função de cinturão armado em defesa das minas gerais. O estudioso Oscar Gama Filho considera esses dois fatos como prejudiciais ao desenvolvimento de nossa cultura, consolidando o lugar periférico ocupado pelo Espírito Santo no contexto nacional, com repercussões até hoje.

A cultura capixaba entrou em coma, vindo a ter um início de sobrevida em meados do século XIX, com o início do plantio de café e, paralelamente, com a chegada dos imigrantes, em sua maioria italianos e alemães, além dos escravos africanos. Seria um renascimento.

Apesar do Espírito Santo ser um estado primordialmente indígena até esse momento, pouco ficou marcado como indígena na história de nossa música. Aliás, ignora-se algum descendente de índio que tenha inscrito seu nome na História da Música no Brasil, ao contrário do que sucedeu com os descendentes dos escravos.

A Igreja na verdade repassou muito mais seus ensinamentos musicais ao negro, que mais se interessava pela música e conseguia assim escapar do anonimato, pois para ele era uma forma de ascensão social, ou seja, servir à Igreja através da música era alcançar uma função social mais nobre. As irmandades religiosas adotaram muitos desses músicos.

Na transição do século XVIII para o XIX, as descrições de festas e cerimônias mostram a presença de grupos instrumentais e vocais formados em sua maioria por negros e mulatos, nunca por índios ou mamelucos.

   Em 1828, o presidente da província Inácio Acióli Vasconcelos elaborou um relatório estatístico sobre nossa província, e pateticamente assim ele descreve a atividade musical entre nós:

“A música na capital se compõe de oito pessoas, todas da mesma família e que tocam as mesmas peças em todas as festas, que compõem um rabecão, 2 violinos, 1 flauta e 4 cantores e, se sucede isto com esta arte divina o que acontecerá com as outras!”

Arriscamo-nos a apontar o Major Francisco de Paula Xavier como o personagem citado por Acióli Vasconcelos. O Padre Antunes Siqueira, excepcional cronista dos costumes capixabas, em seus escritos sobre fatos ocorridos a partir da década de 1830, comenta por duas ocasiões:


 “Assim, [...] erguia-se no plano em que termina a ladeira do Palácio [...], junto à velha casinha em que habita a família do major Paula, prestimoso cidadão, antigo mestre de música religiosa e profana [...]”

Ou

“Além dos atos religiosos [...] e nos quais funcionava a música do major Paula cujo instrumental compunha-se de um violoncelo, tocado por ele, de duas rabecas, uma do mestre Inácio [...] outra do padre doutor Alvarenga, e a vocal dos habilidosos cantores de orelha, Marciliano, Inácio dos Remédios, insigne barítono, Manoel das Neves, José Francisco Costa, Náutibus, que entoavam um cantochão figurado [...]”

Informação mais contundente sobre o grupo do major Paula está relacionada ao evento de 5 de maio de 1854, relatado por Maria Stella de Novaes, quando a imagem de São José era devolvida à Igreja de Queimado, na Serra:

“No dia seguinte, dia 6, na Matriz de Vitória, com a presença do clero, do presidente da província Dr. Sebastião Machado Nunes, do povo, da Tropa de linha, Música de Barbeiros do major Francisco de Paula Xavier, etc, procedeu-se a benção da imagem pelo vigário da capital.”  

A música dos barbeiros constituía–se de grupamentos, surgidos em meados do século XVIII, formados por homens livres, autônomos, sem muito esmero técnico, mas de apelo popular, que ocupavam as portas das igrejas e eram presença obrigatória nas festas populares. Pura atividade liberal, ruidosa, de livre interpretação. Desses grupos surgiram as bandas civis. Curiosa a associação à atividade dos barbeiros, profissionais com excelente habilidade manual, não só para a tesoura, como para instrumentos odontológicos e mesmo para socorros como sanguessugas, ou, sangrias.


 Chamavam-se a esses grupos também de ritmo de senzala. Era o nascente ritmo afro-brasileiro. Em meados do século XIX, o Rio, economicamente mais ativo, vê surgir pequenos grupos substituindo os grupos de barbeiros, quando a classe média cria o choro, enquanto que em Salvador, mais lenta em seu desenvolvimento, surgem bandas militares democratizadas para brilhar nos coretos das praças públicas.

                                                                       (continua)


5 comentários:

  1. Victor Humberto Salviato Biasuttisegunda-feira, novembro 19, 2012

    Muito bom Rogério!
    Já curioso para sorver o próximo capítulo.
    Quando virão as "furiosas"?
    Abraço.

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  2. Estava pesquisando "História da música Brasileira" e achei seu BLOG.Muito legal.
    Interessante a vocal do Padre Alvarenga, ser chamada de "cantores de orelha"...Será que eram chamados assim, porque não sabiam ler música?
    Saem os barbeiros e nascem os "Batuqueiros"?
    Vou acompanhar.
    abraço
    Manoel Ferreira

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  3. Salve Coimbra... sempre você. Parabéns... e abraço!

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  4. Caros Victor, Manoel Ferreira e Nena: Obrigado pelas visitas; elas nos encorajam.
    Quanto à curiosidade sobre o surgimento de "furiosas" ou "batuqueiros", voltaremos ao assunto no próximo capítulo.
    Adianto que na segunda metade do séc. XIX, com a decadência dos "barbeiros" surge, no Rio, grupos de choro, e, na Bahia, o primeiro conjunto instrumental profissional do Brasil, formado somente por músicos escravos. Baiano é fogo, vide os trios elétricos que se espalharam pelo país, um século depois.
    Um triplo abraço.

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  5. Olá! Estou fazendo um trabalho de graduação o qual tenho que falar brevemente a respeito da historia da música no ES. Poderia me indicar algum livro para uma busca um pouco mais profunda?
    Obrigada.

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