segunda-feira, 15 de julho de 2013

ECAD: Nem Os Músicos se Entendem.


Nessa confusão de grupo de artistas tendo à frente Caetano Veloso, Roberto Carlos e outros medalhões que fizeram lobby no Senado para aprovar lei que autoriza o Governo a fiscalizar a ECAD, há muita confusão entre diversos autores, entre eles Ronaldo Bastos e, Fernando Brandt. Aqui uma reação de Rescala ao posicionamento de Brandt.(Texto extraído do blog GRITA, publicado por Sérgio Ricardo).


RELATO AOS AMIGOS DOS “INIMIGOS”


TIM RESCALA
Diz o ditado que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. É preciso, pois, dar uma resposta a quem pretende criar desunião, confusão, discórdia, para tentar se defender do indefensável. O texto de Fernando Brant, que representa sua Editora Três Pontas na presidência da UBC, um suposto relato da reunião que aconteceu entre os grupos pró e contra a reforma da gestão coletiva no Brasil, é lamentável sob todos os aspectos. Em primeiro lugar porque não reflete os fatos. Em segundo porque, no lugar de debater o assunto, apenas desfere ataques pessoais. Esse, aliás, costuma ser o modus operandi do ECAD e das sociedades, quando criticados por sua atuação. Contra fatos, documentos, provas cabais, não há muito o que dizer, ou fazer, não é verdade? Apenas ofender. Mas não podemos admitir isso. Observemos, então, a grande distância entre o que Fernando diz e os fatos.
Fernando se apresenta como alguém sempre disposto ao diálogo, mas não conta que tivemos que insistir muito para que ele aceitasse se reunir conosco, o que pode ser facilmente comprovável pelos e-mails trocados entre ele e nós. Podemos torná-los públicos, aliás, se as meias-verdades continuarem a ser espalhadas ao vento. Fernando não conta que, além de relutar, impôs condições. Até um determinado momento, não tinha disponibilidade em sua agenda. Mas, desde que se apresentou a possibilidade de uma reunião apenas de artistas, sem advogados, passou a ter. Não entendi muito bem essa restrição, visto que ECAD e sociedades têm advogados saindo pelo ladrão. Ocorre, porém, e isso Fernando não conta, que outro participante da reunião, Danilo Caymmi, diretor da Abramus, iria acompanhado de Antonio Carlos Bigonha, que se apresentou como compositor, mas que também é procurador da república. Ora, se pode um procurador da república, por quê não pode um advogado? Foi assim que se ampliou a reunião para artistas, advogados, empresários, enfim, quem quisesse ou fosse indicado para participar.
Mas em seu “relato” Fernando ocupa-se em ofender a advogada Vanisa Santiago, referindo-se a uma das advogadas que integram o nosso grupo, o GAP-Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, como ” senhora vingativa, rainha do ódio”. Ora, por quê será que Fernando tem tanto ódio ou medo de uma senhora de 77 anos, extremamente gentil, educada, de uma inteligência impressionante, conhecedora, como poucos, do funcionamento da gestão coletiva, não só no Brasil, mas também no mundo todo? Seria pelo fato dela ter sido testemunha ocular da história? Fica a indagação.
Fernando segue desferindo ataques, chamando o senador Randolf Rodrigues, presidente da CPI do ECAD, de “deslumbrado”. Justamente um dos senadores que se destaca como um dos mais ativos e combativos, elogiado até pelos adversários políticos? Dá para entender a razão das ofensas, mas não dá para aceitar. E isso contrasta com a forma gentil que Fernando foi recebido na casa de Gil, onde aconteceu a reunião, mesmo que ele o tenha chamado de “exterminador de criadores” quando Gil ocupou o ministério da cultura e iniciou todo esse processo de discussão da lei do direito autoral.
Em seguida, Fernando narra sua chegada à reunião na casa de Gil, insinuando que a empresária Paula Lavigne puxou-o para um canto e que, a partir desse gesto, que desconhecemos e cujo significado não arrisco atingir, começou a entender o que se passaria. Nenhum de nós foi testemunha desse momento citado por ele. Mas, como a reunião foi toda gravada, poderemos demonstrar facilmente que isso não aconteceu, assim como poderemos dirimir qualquer dúvida da classe e da opinião pública sobre como essa reunião, de fato, se deu. Veremos se isso será necessário.
Fernando comenta então que lhe pediram para falar e ele, como sempre faz, se remete à famigerada cláusula pétrea da constituição, que supostamente impede a fiscalização. Diz, para nossa surpresa, que a aceitaria de bom grado, se não fosse por isso. Ora, se é assim, não há mais o que polemizar. Está resolvido o problema. Pois a cláusula a qual ele se refere não é tão pétrea assim, como eu demonstrei na reunião, mas que ele esqueceu de citar em seu ” relato”. Aliás, quando costuma citar a cláusula, ele também se esquece de citar uma expressão entre vírgulas, muito significativa, que já expõe que a coisa não é bem assim como ele diz: “na forma da lei”. O texto da constituição, sem omissões oportunistas, diz em seu artigo 5:
“XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”.
Quando um princípio constitucional usa a expressão “na forma da lei” quer dizer que se regula pela lei infraconstitucional, ou seja pelo código civil ou pela prória lei do diteito autoral. Outra coisa que o Fernando se esquece de citar é o artigo 45 do códico Civil, que diz:
“Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”
Fora isso há ainda um agravante que torna a defesa da cláusula pétrea um tiro no próprio pé do ECAD. A lei que criou o órgão, a 5.988/73, é anterior à constituição, que é de 1988. Mas a mesma lei criou o CNDA para fiscalizá-lo. Ora, se é verdade que a carta magna de 88 diz que o CNDA não poderia existir e que não pode haver fiscalização estatal da gestão, vale dizer também que o próprio ECAD não poderia existir, já que foi criado pela mesma lei. O Fernando vai sustentar isso ? Será que é ele quem quer acabar com o ECAD?
A constituição é de 88 e o CNDA só parou de atuar em 90. O órgão então funcionou durante dois anos ferindo a constituição? Este teve suas funções esvaziadas não por causa da constituição de 98, mas porque em 90 o governo Collor promoveu uma reforma administrativa, acabando com vários órgãos, como a Embrafilme e o próprio Ministério da Cultura. Fernando também se esqueceu disso.
Mas, como o letrista já disse que aceita a fiscalização, desde que não fira a constituição, nem precisaremos mais nos preocupar com esta questão. Podemos então acreditar que o ele, ou melhor, a UBC, quer dizer, o ECAD, não vão entrar com uma ADIN no STF. Mas, caso mudem ideia e façam isso, não há problema. Já estamos preparados para derrubar qualquer tese contrária à fiscalização, munidos, aliás, de documentos do próprio ECAD. Aí vamos saber se de fato Fernando e seu amigos concordam com a fiscalização, mas lamentam que ela não seja possível ou se fogem dela como o diabo foge da cruz. Sigamos, então, com o “relato” do letrista Fernando Brant.
Ele diz que só o autor pode fixar o preço para sua obra, segundo diz a constituição e que, por isso, o estado não poderia intervir. Mas quem foi que falou que o estado vai definir algum preço? Onde está escrito isso no substitutivo aprovado no senado e na câmara? Como isso não existe no texto, passemos a outro ponto.
Fernando diz então que defende que o autor fiscalize a gestão, como se isso fosse possível. Ele sabe muito bem que a fiscalização da gestão coletiva pelo estado existe no mundo todo. Autofiscalização não existe, é uma falácia. Não fosse assim o ECAD não teria sido criado junto com o CNDA para fiscalizá-lo. E se isso desse certo não estaríamos na situação em que estamos, com uma série infindável de denúncias de fraudes, pois é justamente isso que acontece. Na gestão, como está hoje, é o autor, representado pela sua sociedade, que exerce a tal “fiscalização”. E qual é o autor que, de fato, tem poderes de fiscalizar alguma coisa, se a gestão é feita há 25 anos pelas mesmas pessoas, representando editoras multinacionais? Não é preciso ir mais longe, não é?
O letrista segue sua defesa, citando também o procurador Bigonha, como se sua argumentação tivesse convencido alguém. Coloca-se, então, como vítima, como um alvo de fuzilamento. Ora, Fernando, quem preside uma sociedade majoritária do ECAD há anos tem que estar preparado para isso, principalmente se toda a gestão está sendo questionada há muito tempo, tendo um índice de rejeição absurdo, não só na classe musical, mas em toda a sociedade. É interessante notar que as críticas mais inflamadas não partiram de nós, que estamos envolvidos com a questão há bastante tempo, mas sim de artistas que fizeram questionamentos e que não tiveram nenhuma resposta plausível e aceitável. Isso o Fernando não cita. Se as respostas fossem satisfatórias, será que o letrista seria “fuzilado”, como diz? Mas isso tudo pode ser checado na gravação da reunião.
Fernando segue dizendo que tentou explicar que o peso do voto dos autores nas eleições da UBC é de 95%, mas não foi ouvido. Mas faltou ele dizer que vota duas vezes na assembleia da UBC, como pessoa física e como pessoa jurídica, e assim fazem os outros diretores, com destaque para o superintende, Sr. Perdomo, que chega a votar sete vezes, representando subeditoras da EMI diferentes. Não seria interessante fornecer esse “detalhe”? Talvez não, pois aí o fuzilamento seria com 5 pelotões.
Fernando fala então de “explanações maliciosas e mentirosas de alguns”. Não sei se refere às feitas por mim, já que apenas citei dados do relatório de 2012 do ECAD. Se essas informações são mentirosas, o mentiroso não sou eu.
Cita, então, que estava em curso um golpe, pois teríamos dito que não tínhamos acesso ao substitutivo do senado. Ora, se o texto seria lido no dia 26 e a reunião foi no dia 17, como poderíamos discuti-lo em detalhes? Essa discussão só poderia ser feita após a leitura do texto pelo senador Humberto Costa, relator do projeto, fazendo a análise dele do PLS 129 original. Mas as nossas posições já são plenamente conhecidas, aliás, desde dezembro de 2007, quando começaram os seminários sobre direito autoral, promovidos pelo MinC na era Gil. E o ECAD sempre foi contra elas, ou seja, contra a fiscalização por parte do estado, com ou sem cláusula pétrea.
É preciso informar à classe que muito tempo antes da leitura no dia 26, os representantes do ECAD já estavam realizando seu famoso e pesado lobby no congresso, já anunciando que pediriam vistas de um projeto que disseram desconhecer. O que será, então, por definição, um golpe? Nós enviamos nossas sugestões ao relator, como também fizeram os representantes dos usuários. O ECAD poderia ter feito o mesmo. Por quê não fez ?
Fernando diz que os empresários de Caetano e Roberto Carlos já estavam no dia 18 em Brasília conspirando. Mas eles estavam lá para tratar de outros assuntos, que não o direito autoral. Mas os representantes do ECAD, esses sim, é que estavam em peso em Brasília . Só começaram a bater em retirada quando viram que seriam derrotados.
Fernando diz que “os artistas presentes ao Senado, que não vivem de direitos autorais mas de shows, desprezaram os quase duzentos mil brasileiros que vivem de direitos autorais de execução pública”. Não, Fernando. Quem despreza os autores que pouco ou nada recebem é o ECAD e as sociedades, que inventam as mais variadas e absurdas regras, que estão apenas em seu regulamento interno e não são divulgadas, deixando-os fora da distribuição. Dos 573 mil titulares cadastrados no ECAD, apenas 106 mil recebem. E desses, 65 mil são estrangeiros. Como se explica isso ?
O letrista segue dizendo que os autores “trabalham para os que usam música e não querem pagar o que devem”. Mas ele não cita que o valor cobrado é absurdo, sem paralelo em nenhum lugar do mundo e que, mesmo assim, os usuários pagam em juízo, e o ECAD não deixa de levantar o valor incontroverso. Não cita também que as TVs são responsáveis por 35% de tudo o que o ECAD recebe. É pouco ? Deixa de citar também que eles, os diretores das sociedades, lado a lado com as multinacionais que estão nas sociedades majoritárias, fazendo valer seus interesses pela enorme arrecadação que têm. Que tal citar quem implementou esse critério? Deixo a você, Fernando, a tarefa de dar esta informação.
Fernando diz que Google e telefônicas se negam a garantir direitos. O Google tem que pagar sim, mas não para o ECAD, que está habilitado pela lei a receber só por execução pública. Mas cobrou e recebeu.
Quem “labora para destruir o braço que arrecada”, Fernando, são vocês, que transformaram o ECAD, criado apenas para arrecadar e distribuir, numa organização que persegue sempre, e de forma desenfreada, a maior arrecadação possível, tentando justificar pagamentos de bônus para seus funcionários. Isso sim é vergonhoso.
Fernando segue suas ofensas, chamando de medíocre o antropólogo do MinC, certamente se referindo a Marcos Souza, dizendo que este quer nos destruir para depois nos estudar. Bem, diante de tamanha paranoia persecutória não há muito o que comentar, só a lamentar.
A voz dos colegas não foi desprezada não, Fernando. O que os colegas precisam é de esclarecimento. Precisam saber como o ECAD e as sociedades de fato funcionam. Mas vocês tentam evitar isso ao máximo, agindo, aí sim, de forma totalitária. Uma massa ignorante é muito fácil de manipular, não é ? Mas quando os artistas começam a entender como as coisas de fato funcionam, ficam revoltados mesmo. Esses artistas, principalmente os que assinaram inadvertidamente os manifestos pró-ECAD, estão aos poucos se inteirando das coisas, se informando, lendo nas entrelinhas, procurando saber mais do que vocês gostariam.
Não somos nós que demos golpe, Fernando. São vocês, encastelados nas diretorias das sociedades que nos golpeiam diariamente. Estamos abraçando personagens condenados pela praça pública? E quem o ECAD abraça e enlaça nos três poderes constituídos? Vamos fazer uma lista?
A discussão que Fernando disse que ficamos devendo começou, na verdade, em dezembro de 2007, no primeiro seminário promovido pelo MinC. ECAD e sociedades sempre foram convidados e lá estiveram. Um projeto foi elaborado, depois de uma consulta pública, cujo prazo foi prolongado. De lá até aqui são cinco anos. Não é tempo suficiente?
Da leitura do projeto, no dia 26, até a votação na CCJ, deu-se uma semana. O ECAD teve tempo suficiente para apresentar emendas, tanto que o fez. E algumas foram aceitas. Como, então, Fernando Brant diz que houve um golpe e que não houve tempo para discussão e envio de propostas? Será que ele quer se justificar por não ter estado lá? Ou então pelo fato do ECAD, mesmo dispondo de 25 profissionais em seu departamento jurídico e mais 53 escritórios terceirizados contratados, não ter tido competência e agilidade para fazer propostas ? Ou será que todo esse staff estava mais ocupado e interessado nas 5.155 ações na justiça, na quais os ECAD está envolvido, e que geraram no ano passado 185 milhões? A movimentação que aconteceu no senado no dia 3 de julho foi histórica . A classe acordou, Fernando. Cansou-se de ser enganada. Falta agora o ECAD acordar, descer de seu pedestal inatingível, seu castelo inexpugnável, e trabalhar, de fato, para os autores.
Tim Rescala
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