segunda-feira, 20 de junho de 2011

Variações sobre o jazz de rua, ou não.


   
Pensando bem o jazz nasceu na rua, não em lugares fechados, isso considerando o berço a cidade de New Orleans no início do século XX ou final do XIX; temos que consultar John Lester.

Nesta semana adentrei um recinto para assistir a um show de jazz, exatamente ao de Marcus Miller, quase que um lendário baixista; ele comemorava seus 52 anos, jovem, portanto, pelo fato de ter produzido e composto todas as músicas do disco “Tutu” de Miles Davis em 1986. Isso o credencia a celebrar essas bodas de prata. O show aconteceu no Teatro Casa Grande, RJ, numa fria terça feira de junho, 14, e como não poderia deixar de ser, casa cheia.

Marcus Miller, que andava sumido da cena jazzística, reinseriu-se na mídia pelos 25 anos do “Tutu”, e com louvor, não só pelo antigo trabalho como pela jogada de “revisitar” essa obra de inquestionável qualidade. Como baixista, deixou sua marca na juventude pelo seu estilo ácido de tocar, semelhante ao de seu contemporâneo Jacob Pastorious. Seu instrumento original, de formação acadêmica, era a clarineta e a clarineta baixo, ou clarone; preferiu adotar o baixo como instrumento.

Para esta temporada, trouxe consigo o tecladista Federico Gonzales Peña, o baterista Louis Cato, o saxofonista Alex Han e o surpreendente trompetista Sean Pean. A idéia era (re) tocar o “Tutu” e assim o fez, executando vários temas do disco. Muita energia e porradaria de bom gosto rolaram à vontade. A platéia relaxou quando ele sacou do clarone e solou “When I Fall In Love” emendando com “In A Sentimental Mood”, tema composto por Duke Ellington há 76 anos, convocando os solistas para uma sessão além da razão emocional, ou emoção racional, sei lá: foi arrepiante. O jazz estava vivo! John Lester se surpreenderia e sorriria a largos lábios.

Encerrando o show, Miller anunciou “Tutu”: logo após uma rápida exposição do tema, o malandro que não é baiano, e sim norte americano, ao reler a faixa título simplesmente transformou aquela paginação jazz-rock dos anos 80 num autêntico andamento “walking mainstream”, se assim podemos classificar aquela mágica música que costumamos generalizar como jazz, retornou a New Orleans e deu um salto para o contemporâneo. O tal do Sean Jones, na surdina como Miles, num fraseado a la Gillespie, confirmou porque é bem cotado no atual jazz world. Ah, quanta coisa!

 Mas voltando à rua, antes do espetáculo um figuraça, Sérgio Millan, na calçada em frente ao teatro estacionou sua bicicleta adaptada com um caixote na frente e um alto-falante acoplado, tal qual como desfilam bicicletas anunciando produtos e serviços pelas ruas de nossa cidade e que nos incomodam. Só que a do Sérgio Millan acomodava dezenas de CDs de jazz, à venda, e, pelos seus alto-falantes conectados a um disc-man, ou “ostra”(como assim classifica Reinaldo Neves ) propagava sons de Art Blakey, Art Pepper e John Coltrane. Pronto, o jazz estava na rua e o povo aglutinou-se para ouvir jazz e comprar CD importado a 15 pratas. O pipoqueiro ao lado ficou com inveja tal como ficaria Rubinho da Praça dos Namorados,  em Vitória. 

É isso que eu queria dizer, o jazz é da rua. E, quanto a bom jazz de rua, o Festival de Rio das Ostras, ou Rio dos Disc-Men, como quer Reinaldo Neves, oferece este ano uma programação impecável.

 Como não posso ir, fico como poste na rua, na esquina da Chapot Presvot com a Rio Branco, em Vitória, fingindo que vou atravessar, só para ouvir os suaves acordes de Biassutti,  Salviato Victor Humberto, e, quem sabe, encontrar com Kátia Rocha passeando com seu cãozinho.

12 comentários:

  1. Olá Coimbra, Rogério.
    Que maravilha deve ter sido esse show, com gente tão grande e com músicas que devem ter sido excelentes, a contar por "When I Fall In Love” e “In A Sentimental Mood”. Na crônica de hoje de A Gazeta intitulada "Mais encantos da monarquia...", José Irmo Gonring fala que Luís Moulin, em Guaçuí, "ouvia música clássica a todo volume, em sua casa, que era uma forma de elevar o gosto musical da vizinhança."
    Sérgio Millan de suas bandas, Moulin das nossas... e assim a boa música vai se mostrando.
    Instale uma webcam no poste da esquina do Wunder para acompanhar as coisas lindas que acontecem. Só tome cuidado com o cãozinho da Kátia: ele gosta de poste!
    Abraço, Victor

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  2. Pois é, meu caro Victor.

    Nos anos 50/60, quem ouvia música clássica a todo volume na Praia do Canto era o médico Carlos Teixeira, cuja casa era na esquina da antiga Av. Ordem e Progresso, hoje Des. Santos Neves, com a Rua José Teixeira. Seu filho, também Carlos e médico, pode confirmar.
    Na mesma avenida ouviam-se também clássicos vindos da casa de Ricardo Cohen, que ficava ao lado do antigo colégio Sophia Muller, ele pai de nossa amiga Silvia Renata.

    Acontece que naqueles tempos, como em Muqui, as noites eram calmas e sensíveis. Só mesmo hoje em dia algum vizinho reclame de calmas músicas do Wunderbar em plena Av. Rio Branco, com intenso tráfego.

    Obrigado pelo alerta do xixi do cachorro de Kátia Rocha. Comigo não!
    Um grande abraço.

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  3. Grande Coimbra,
    andei pensando e a gente vê poucos músicos de rua no Brasil. Deve ser aquela mentalidade ainda de que músico é marginal e desqualificado. No nordeste você ainda encontra muito em feiras livres. Aqui no Rio, um ou outro no largo da Carioca e uns metidos à besta no Leblon.
    Só mesmo roda de samba ou de choro, mas mesmo assim dentro de um bar ou na calçada do mesmo.
    Na rua, na rua, nada.
    Um grande abraço

    Ernani Salles.

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  4. Caro Ernani,
    De fato a gente vê pouco músico de rua pelas principais cidades brasileiras, pelo menos no sudeste. Tem um documentário, por sinal muito bom, de Mark Johnson, que gravou músicos de rua em todo mundo que participam, coletivamente através de gravações superpostas, com o tema "Stand By Me". E nesse documentário aparece apenas um solitário músico de rua, na Cinelândia, RJ. Agora estão produzindo a segunda versão e dessa vez vão filmar Pretinho da serrinha, Cicinho do AfroReggae, o guitarrista Fernando Vidal e a cantora sandra de Sá. Poderiam ser eles considerados músicos de rua ?
    Já há algum tempo, no Rio, aos domingos, havia música nas praças Sezerdelo Correa, em Copacabana, e no Largo do Machado, violeiros nordestinos que haviam migrado para a cidade. Hoje, nem isso você encontra mais.
    Ernani, é sempre um prazer tê-lo aqui trocando uma idéia.
    Um grande abraço.

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  5. Prelado Mestre, a pura verdade é que o jazz nasceu nos puteiros de New Orleans. Os músicos negros ficavam escondidos por trás de biombos, de modo que não incomodassem as investidas dos ricos clientes brancos sobre as meninas.

    Uma longa história, a do jazz.

    Quanto ao show, você sabe que perdi os ingressos para o Joshua e resolvi, em protesto, não ir aos demais.

    Grande abraço, JL.

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  6. Obrigado pelo esclarecimento, Sir Lester.
    Bem, no puteiro ou não, o jazz nasceu para ganhar as ruas, e, ficar. Nasceu atrás dos biombos e hoje está exuberante.

    Músico de rua por por aí só mesmo seus colegas do Congo da Barra do Jucu, afilhados de Martinho da Vila Velha.

    Paciência, paciência.
    Um grande abraço.

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  7. Rogério, na rua só vejo a tal população de rua, crakeando e ameaçando e, as autoridadres, amansando, amansando. Música, só a das buzinas.
    Gosto é de ouvir sua voz ao telefone.
    Beijão.

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  8. Grande Coimbra,
    Maravilha de post! Me senti na platéia do Teatro Casa Grande, sacudindo o esqueleto ao som de Mr. Miller.
    O figuraça érgio Millan não é outro senão o meu amigo Sérgio Sônico, do blog homônimo, que ludica e quixotescamente faz o jazz ganhar as ruas com seus discos - boa parte deles fora de catálogo!
    E sobre o vídeo de Stand By Me, do projeto Playing for change, postei-o no jazzbarzinho no domingo passado - dá uma olhadinha lá, ok?
    Grande abraço!

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  9. Grato, Coimbra, fico honrado, mas de tão ocupado, só fui saber dessa postagem via "Jazz + Bossa +" tudo enfim...

    Só não intindi o "metido a besta". É porque é jazz, é pq é Leblon ou será, as duas coisas, ou será pq alguém acham (assim mesmo, ca concordância torta) q não é samba? Ora, rola por lá, em disco, de Carmem Miranda e o argentino mais bom sujeito do mundo, Oscar Aleman a Cyro Monteiro, Zé Keti, Paulo Vanzolini com Carmem Costa... Infim, na lojinha rola de tudo (que não está dando sopa nem nas melhores casas do ramo). Privilegio o jazz, porque... sim. Aí sim, vai ver q é pq é Leblon, bairro besta como o dono da bike.

    Mas prometo que quando pedalar até a Lapa - se o choque di ordi não me der um ganho antes - ponho gafieira (q é jazz) e samba tbm. Venderei mais.

    Abraços! E, please, da próxima vez q vir a lojinha, venha apertar minha mão.

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  10. Que boa surpresa, prezados Cordeiro e Millan:

    Como o mundo é pequeno e ao mesmo tempo se agiganta através da música. Realmente achei fantástica aquela cena da bicicleta na rua, aquele som, e as pessoas se acercando como se "música" fosse um produto tão pouco conhecido pelos homens. O que ela não faz com a gente, o que ela não provoca. E a forma como o Millan a promove é instigante.
    Estou ansioso para cruzar de novo com o Sérgio Sônico ( cujo blog tanto admiro) em pessoa, ao vivo e em cores e sons, seja na Lapa, ou no Leblon.

    Quanto ao "metido a besta", depois de pesquisar achei a expressão no comentário acima, de Erani Salles. Pelo que conheço do Ernani aposto que ele se refere a uma garotada que pouco toca mas sabe se exibir nas calçadas da Ataulfo de Paiva.

    Coincidentemente hoje retorno ao Leblon, desta vez para apreciar Gabriel Fauré e a suite jazzística de Claude Bolling com a Orquestra Petrobras Sinfônica. Quem sabe não encontro de novo a bicicleta mágica reproduzindo dessa vez Villa Lobos, ou Pixinguinha.
    feliz conincidência essa.

    Um grande abraço a ambos mestres.

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  11. Mr. Coimbra, ando espinhoso, mas tenho lá meus motivos. Só eu sei o duro q dei pra realizar essa fantasia. Até que tenho outras mais ambiciosas, mas ver as pessoas compreendendo, ao bater os olhos na Bikinha, ainda (preciso evoluir) me faz me defender make agressivamente a quem reage de forma negativa à idéia. Quando digo negativamente, não me refiro ao "metido a besta". E é claro q o Leblon ainda conserva muitos bestas... Mas o que quero deixar claro aqui é que, no quase um ano completo em que quis realizar este projeto simples - quando o vemos (quase) realizado, parece simples - Absolutamente, TODOS, amigos, família, etc... tiveram algo negativo em relação a idéia. Agora, os menos resistentes, começam a entender que alguém tinha que fazer o que estou fazendo.

    Então, quando aparece uma postagem positiva como a sua, você não sabe, nem tem a mínima idéia da força que me empresta. Você é da turma - muito maior, aliás, que a outra – que bate os olhos e imediatamente adere e bate palmas.

    Só pra constar e dar até uma esnobada: O Ruy Castro, na 1ª vez que apareci na Delfim Moreira - sempre aos domingos é meu ponto oficial com a orla fechada pros autos – desceu de sua casa para me cumprimentar pelo som. Depois disso, já na 5ª semana, nunca deixou de levantar o polegar para o trabalho que faço. Moradores (bacanas, não metidos a besta) descem de seus prédios para dizer alguma palavra de incentivo... E isso é muito bom! E é o lado positivo das opiniões que a gente deve aprender a valorizar. Falei demais.

    No mais, nada mais do que muito obrigado.

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  12. Meu caro Super Sônico:

    Seu projeto é nota que não se encontra na pauta dodecafônica, está fora dos padrões, portanto daí a "reação dos reacinonários", fora do tom.

    Esquece os metidos a besta que o Ernani mencionou e pedale no espaço como as crianças de Spilperg no filme ET com a lua como fundo. (Foi esse filme mesmo ?!)
    Espero encontrá-lo na Delfim neste domingo.

    Parabéns !

    Um grande abraço.

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