segunda-feira, 12 de setembro de 2011

HISTÓRIA DA BOSSA NOVA EM VITÓRIA.Parte XIII.

1964. Vizinha ao Iate Clube morava a única velejadora de Vitória, Beatriz Abaurre, que, por coincidência era pianista. Beatriz era uma fada madrinha que sempre estava com nossa turma  nas  serenatas da mureta do clube. Com sua varinha de condão nossa fada iluminou o caminho para solucionar um problema gravíssimo que impedia a realização do show Depois do Carnaval:, a ser realizado no primeiro sábado após o Carnaval. O piano do clube estava uma lástima. Vivia aberto no salão e qualquer bêbado ou criança martelava o pobre coitado sem dó nem piedade.Se não havia piano para o show, o problema seria resolvido: Beatriz Abaurre emprestaria o seu, um piano meia-cauda.Simples, não ? Afinal ela morava praticamente em frente ao portão do clube, na chamada ladeira do Iate. Mas não foi bem assim.

Conta a jornalista Glória Musielo na edição da revista comemorativa dos 50 anos do Iate Clube:

Carmélia capitaneando o evento pediu aos “meninos” do grupo para transportar o piano da casa de Beatriz ao Iate. A casa dela, grande e confortável, havia passado por uma reforma e o piano não passava pela porta. Então os eufóricos “meninos” arrancaram o marco da janela para retirar o instrumento sem risco de arranhá-lo. O marido estava viajando e para eles foi mais fácil fazer a empreitada. Deixaram a casa sem janela, mas o piano foi levado numa boa, o show foi perfeito e o fato tornou-se memorável. Carmélia pediu suas músicas preferidas para embalar a festa: "Dorme", de, e, com o  Candinho cantando, "Não Sou Réu", com Adotivo," Dindi"," Suas Mãos" e outras.

Sobre esse fato o depoimento de Beatriz Abaurre em Escritos de Vitória-Música, é fundamental para melhor imaginar a cena:

Foi assim que um dia invadiram minha sala, ousando pedir meu piano emprestado para a festa do nosso quase privativo Iate Clube - uma verdadeira ilha dentro de outra ilha. Como não ceder a tal poder de persuasão? E desce piano ladeira abaixo, janela arrancada com tijolo, argamassa, vidros, caixilhos de madeira e parte da parede jogada ao chão, e  apenas os cachorros vigiando a casa arrombada.

Nossa energia era tão grande que às vezes eu pensava que o clube estava em alto mar, à deriva. Navegávamos livres e quem mareasse que caísse fora. Nossas retinas eram escotilhas a deslumbrar as nuvens, que sobre nós passeavam. Porém havia os reacionários do lugar. Onde eles não estão afinal? Hoje, a gente ri. Não se chorou muito porque éramos muito, muito felizes. Efeito Bossa Nova, certamente. O fato lamentável, de requintada barbárie, foi quando lançaram o contrabaixo de Afonso Abreu ao mar, com toques até de comicidade. Cravaram uma ripa em seu bojo, simularam uma bandeira com uma camisa rasgada e o empurraram mar adentro ao estilo de um barquinho vai, um barquinho vem. Na edição comemorativa dos 50 anos do Iate Clube , Afonso Abreu conta como aconteceu:

Foi em 1965. Eu perdi um pai quando eu era pequeno e fui à luta. Toquei em 18 bailes para poder comprar meu contrabaixo acústico de madeira. Um dia, depois de um dos bailes no Iatinho, deixei o instrumento por lá e fui embora para casa. De madrugada, um dos bêbados pegou o instrumento, colocou um pedaço de pau nele, como se fosse um mastro amarrou um pedaço de pano para servir de vela e o lançou ao mar. Para navegar. Botou meu contrabaixo para se arrebentar contra as pedras. No dia seguinte procurei por ele, e seu Ailton que era funcionário e trabalhava na garagem, chamou-me para ver. Só havia sobrado a rotunda, as tarraxas. Mais nada. Só pedaços de madeira. Quando veio a madrugada, o contrabaixo foi lançado pelas ondas contra as pedras e se quebrou todo,. Não servia para mais nada. Naquela época as pessoas tinham pouquíssimo respeito pelo músico. Fiquei sentido, muito desanimado. Foi um negócio muito chato.(continua)
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11 comentários:

  1. Amigo Rogerio

    Boa tarde

    Sou fã da bossa nova desde a decada de 60 ou um pouco antes. Me lembro q num determinado verão em Marataizes,umas amigas da minha tia levaram uns Lp's e alguns discos com aqueles buracos maiores com o som da Bossa Nova. Fiquei apaixonado imediatamente. Que balanço era aquele,gostoso de se ouvir e dançar com o rosto colado. bons tempos!!!!!!!!!!!
    Há possibilidade de vc me arrumar os outros escritos s/ a BN em Vitória?
    Viajo no blog,é muito interessante e mágico.
    Abração

    João.

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  2. coimbra disse...
    Nenna e João,
    Como é boa a tal da bossa, não ? A Revista Época, há poucas semanas atrás, listou brasileiros inventores que contribuíram para a humanidade, no século passado. Entre físicos, engenheiros, médicos,biólogos, dois destaques- e únicos!- na área de esportes, Pelé, nas artes, João, sim, João Gilberto que , segundo eles, inventou a Bossa Nova.
    Abraços.

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  3. Adoro mecenas e pessoas dedicadas à música. Bem antes da bossa nova, D. Pedro II deu uma força para Wagner, sim, o Richard. Entregou algum cimento para levantar o magnífico teatro de ópera em Bayreuth, e compareceu à inauguração da casa. A assinatura do Imperador tá lá.

    Acho que D. Pedro daria outro contrabaixo para nosso amigo Afonso. Afinal, navegar é preciso!

    Grande abraço, JL

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  4. Olá Rogerio
    Como alguns amigos, tenho dito: esses digitalizados devem ser transformados em impressos para perpetuar a Bossa em Vitoria e os seus sentimentos, expressados por suas palavras.
    Excelentes!
    Quanto à nau Afonsina, propriedade do querido Afonso, conquistada após 18 batalhas, diz-de que teve até tripulante, um capitão remando com as próprias mãos para não ficar à deriva.
    Abraço, Victor (lendo a Música nas Alturas diretamente da Escócia).

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  5. Texto delicioso! Abraços, Elisa

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  6. Lester, Biassutti, Elisa,
    Feliz em tê-los aqui.
    Biassuti deverá retornar com mil novidades, sim, do velho mundo. Há lágrimas saudosas em torno do Wunderbar.

    Lester, D.Pedro II foi mecenas, sim, e a ópera "Tristão e Isolda" foi encomenda exclusiva de nosso monarca. O mundo nos deve essa.

    Elisa, saudades de suas visitas.
    Abraços diversos.

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  7. Lester, para ilustrar, colo um comentário de Gerald thomas:

    Gerald Thomas:
    Johannes, Lohengrin não é mais expressiva que Tristão e Isolda, que foi escrita por encomenda por Dom Pedro II, pago por um rico que morava em Dresden para estrear no Teatro Municipal em 1808, e a obra só chegou em 1863. Mas não sei quem afirmou que essas obras são mais expressivas que Tristão e Isolda. Lohengrin é uma das obras mais inexpressivas da obra de Wagner. E eu fui convidado por Helena Severo para montar Tristão e Isolda, para consertar esta falha histórica, uma montagem original, brasileira, com 90 e poucos anos de reparo. Antes falho do que tardo.

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  8. E Don Pedro I só no sapatinho... Sacanagem!

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  9. Danilo, Danilo,
    Você não é mole não. Vc deve ser da Barra do Jucu.
    Obrigado pela sua visita.
    Um abraço.

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