segunda-feira, 30 de maio de 2011

HISTÓRIA DA BOSSA NOVA EM VITÓRIA. PARTE VIII.





A Bossa Nova ia de vento em popa no seu barquinho e, na Praia do Canto em Vitória aconteceram então as festas do Praia Tênis Clube, as famosas “Festas do Galo”. Era sempre no dia 25 de dezembro.O músico Afonso Abreu descreve bem aquele tempo em seu texto no livro “Escritos de Vitória-Música”.

No mínimo fui chofer de Carmélia de Souza. Tocava em seus shows na Praia Tênis Clube e Iate Clube. Fazia ao lado de Cláudio Tovar (depois conhecido no grupo Dzi Croquettes) e Rogério Coimbra toda a produção que, naquela época era chamada de “providências de show”. Claudinho era uma espécie de Diretor Artístico e Coreógrafo, além de decorador de salão. Rogério Coimbra fazia uma assistência de direção geral de Carmélia e traçava o roteiro opinando no programa musical. Minha função principal de baixista se misturava à de eletricista, continuísta, ajudante de copo e, como disse, motorista. No trio , eu tocava com Mário Ruy na bateria e ao piano se revezavam Jorginho Seadi e Gilberto Garcia, acompanhando as cantoras lançadas por Carmélia, que eram Virginia Klinger e Cristina Esteves. Carmélia sempre contou com o apoio irrestrito de Nogueirinha, eterno presidente do PTC, que tinha como diretor social o maior incentivador e responsável que era o Guilherme Rodi Soares.

Nogueirinha, eterno presidente do PTC, era deficiente, com um corpo pequeno, as mãos paralisadas, e sempre conduzido numa cadeira de rodas. Falava com certa dificuldade, mas era compreendido e não saía do clube, sua paixão.Era tio de Nenel Miranda, ex-vereador de Vitória. Nogueirinha era pessoa querida de todas as gerações. Numa “Festa do Galo” Vânia Sarlo teve a idéia de usar a cadeira de rodas dele e realmente aconteceu: ela entrou em cena, sentada na cadeira, empurrada por Marinho Nogueira, cantando com a turma a música “Pernas,” de Sérgio Ricardo (Surgiu ao sol da tardinha/ um par de pernas lindas/ levando a dona delas, o meu olhar atrás...) Foi um sucesso com delírio da plateia Mas um fato ocorrera antes que os deixou constrangidos e que logo passaram por cima. Ao buscar a cadeira de Nogueirinha na casa dele, colocaram-na no carro, não sem antes tirar o seu ocupante e colocá-lo em cima do muro da casa. Foram embora e esqueceram o Nogueirnha sozinho, sentado no muro e por lá pacientemente ficou até alguém ir lá resgatá-lo. Reinaldo Brotto, um dos cantantes dessa festa, comenta o show do galo:

A festa do galo surgiu por aqueles que frequentavam também o bar Bob´s, e o Ignácio Pessoa, e o Gilson Wanderley eram muito amigos de Vânia Sarlo que eram diretores do Praia Tênis Clube. Vânia teve então a idéia de se fazer uma festa no dia 25 de dezembro, com a turma cantando algo diferente. Éramos eu, Evanilo Silva e Luiz Paulo Dessaune, além de uma turma reserva como o Guilherme Punhal, José Mário Tirone, Cacá Nogueira.O Moacir Barros tocava e cantava, era o nosso Dick Farney. A base era o Hélio Mendes, com Betinho na bateria, Cícero Ferreira, no piston. Eu escrevia os roteiros e Evanilo e Luiz Paulo os arranjos e tinham vários colaboradores como Penhoca Linhares, Nilza Leal, Nilze Coimbra, Paulinho e Marcelo Cavalcanti. Tinha também os garotos Afonso Abreu, Rogério Coimbra e uma porção deles. Cantávamos músicas modernas algumas de Cariê, que não cantava em público por ser reservado devido à sua posição ligada ao pai, que era Governador do Estado. Foram anos de muito sucesso.

Nessa viagem no tempo descobri a seguinte nota na minha coluna “O Assunto É Música”, no suplemento dominical de A Gazeta, edição de 31 de dezembro de 1965:

O show que funcionou na Noite do Galo, no PTC, se apresentou ontem na cidade de Governador Valadares. É um show bem interessante e que agradou bastante aos que o assistiram. Participaram: Jorginho e Quarteto (substituído ontem pelo pianista Antônio Fernando) Cristina Esteves, Rachel Lopes, Virginia Klinger, Vânia Sarlo, e Claudinho Tovar com Carmélia M. de Souza, como colaboradores.

Vânia Sarlo era uma figura ímpar. Era não, ainda é. Depois da efervescência da Bossa Nova, anos depois, tornou-se uma das porta-bandeiras mais admiradas das escolas de samba de Vitória. Seu entusiasmo era sempre um aditivo para qualquer programa que surgisse, levando o seu incrível humor. Depois das amizades construídas aqui, principalmente com Silvinha Telles e Luiz Carlos Vinhas, morou a partir de 1964 por 15 anos no Rio de Janeiro e então estabeleceu uma ponte Vitória-Rio trazendo muita gente para passear por aqui. Casou com um produtor da TV Rio, Carlos Alberto Tuna, depois de quase ter casado com Alberto Land,o famoso compositor de Helena, Helena, cantada por Taiguara. Pensavam até que ela fosse a Helena. E aí sempre retrucava:

 E lá tenho eu cara de puta?
O pessoal quando veio para cá criou muita amizade.com a gente. O Menescal foi quem construiu isso naquela época. Depois foi a vez do Cariê. Quando Maysa veio com Bôscoli foi uma época boa. Bôscoli passava lá em casa quase todo dia. Andava-se com liberdade pelas ruas da Praia do Canto. As portas de nossas casas estavam sempre abertas e os muros sempre foram baixinhos. Tinha os Jogos Praianos, do Praia Clube, e cada time era nominado por uma cor: preta, vermelha, branca. Menescal chegou a jogar. A gente não saía da Praia Clube Era um paraíso. O roteiro da música começava no Praia Clube, depois ia para minha casa, depois a de Noêmia Batalha, tia de Menescal,  pulando pra a casa de Nilze Coimbra e acabava no Iate Clube. Todo dia de manhã a gente estava na piscina do Praia Clube, com Maysa, Bôscoli, e a turma toda. Certa vez no Rio num restaurante o Bôscoli estava com Elis Regina numa mesa, ele se levantou e veio de longe falar comigo: a baixinha quase explodiu de ciúmes. Éramos amigos. Tinha o Geraldo Vandré que por coincidência era primo da minha tia casada com o irmão do meu pai. Entendeu? (risos) Além da integração pelo lado artístico tinha a coisa de alma mesmo. O talento deles se unia. Era um grupo de pessoas que amava fazer música, não tinha essa coisa de dinheiro. Acho que eles pagavam pra tocar. Ficaram aqui mais de três meses - eram eles que bancavam, né? Havia uma identidade total com Vitória, pelo clima, pelas pessoas, era uma grande família. A bossa nova fez muito bem ao pessoal de Vitória, fez um enorme bem ao músico brasileiro no exterior e à própria música brasileira. Não havia droga, não havia mentira, não havia maldade. Nós éramos puros, fazíamos tudo com verdade, a gente sorria com verdade, a gente beijava com verdade. As pessoas eram boas por dentro. A Bossa Nova purificou o nosso tempo. (CONTINUA)

10 comentários:

  1. Eh Vitorinha boa de história.
    Juro que gostaria de ter vivido essa época.
    Hoje, nem precisa comentar.
    Claro que a vida melhorou pela tecnologia, mas..bem, ninguém é dona da verdade.

    Beijão.

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  2. Quem disse que saudosismo não vale? Vale sim, ainda mas quando o 'causo' é bem contado.

    Grande abraço, JL.

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  3. Minha Santa,
    você tem razão. Vida é vida, hoje, ontem , a qualquer tempo. Enquanto houver matéria viva, viva.
    Retribuo o beijão.

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  4. Sir Lester,
    sempre gentil entre nós.
    Você, um carioca da gema, gostando da nossa terrinha.
    Um grande abraço.

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  5. Parabéns, Coimbra, por registrar esses momentos que valorizam a história de sua cidade. Aliás, tem muita coisa engraçada. Se hoje, a vida é boa, boa também antes. Imagino aquela turma da pesada aprontando numa pequena cidade, como Bôscoli, Luiz Carlos Vinhas, Maysa (capixaba, né?)Geraldo Vandré e outros. Prossiga mesmo carimbando a memória de Vitória, e, da Bossa Nova. Um abração. Ernani Salles.

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  6. Obrigado, caro Ernani.
    A gente se diverte.

    Um grande abraço.

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  7. Texto delicioso de ler registrando um tempo muito rico da música em Vix. Previlegiado você por ter testemunhado tanta coisa. Parabéns
    Elisa

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  8. Rogerio, é muito importante o fato de você estar contando a HISTÓRIA DA BOSSA NOVA em Vitória. Se você não o fizesse, ninguem faria.Eu considero a HISTÓRIA DA BOSSA NOVA em Vitória um registro necessário e importante. Parabéns e continue.

    Um Abraço,

    Ester Mazzi

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  9. • Ester: obrigado pois sei que você é uma autoridade em Bossa Nova.
    Permita-me reproduzir o texto publicado na contra capa de seu último CD, "Filigrana", assinado nada menos do que pela grande cantora LEILA PINHEIRO:

    " SE ESTER MAZZI MORASSE NO RIO QUANDO A BOSSA NOVA NASCEU, CERTAMENTE SERIA PARCEIRA DOS BAMBAS, TAL O SEU ENVOLVIMENTO E PAIXÃO PELAS CANÇÕES QUE FAZEM PARTE DESSE MOMENTO TÃO ESPECIAL DA MÚSICA BRASILEIRA. SUA FILIGRANA DE AGORA É ENVOLVENTE E MULTIFACETADA: BOSSAS,BOLEROS, JAZZ...MUITO BONITOS E DELICADOS, ENVOLVIDOS EM BELOS ARRANJOS. UM BEIJO, QUERIDA ESTER ! BOA SORTE SEMPRE !"

    Portanto, minha cara, com esse endosso, elogiar
    nossa postagem bossa nova, é mais que um elogio.

    Seja sempre bem-vinda.
    Um grande abraço e obrigado.

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  10. Inquieta Elisa,
    É um privilégio tê-la como leitora de minha postagem. Eu sou testemunha que você é uma bossanovista convertida.
    Não suma, por favor.
    Abração.

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