quarta-feira, 4 de maio de 2011

A IDEOLOGIA DO JAZZ.



Há pouco, num exíguo espaço onde se ouvia música, junto a um montão de gente, conversava-se sobre jazz. Sou de uma geração que conheceu jazz sob restritas condições, fosse por parcas discotecas, fosse por falta de informações, fosse por rara companhia, fosse pelo reduzido tempo para saborear aquele novo som. Claro que não havia internet. Havia sim gigantescas radiolas que nos proporcionavam a alegria de conhecer a dimensão de uma nova música através da reprodução de contados LPs ou pela difusão de um programa de rádio chamado “Jazz Time”, ou “Jazz Hours”, na estação Voz da América, transmitido por Willis Conover diariamente às 22 h 15m (20 h15m em Washington, DC).


Em 25/10/1963, publiquei em minha coluna “O Assunto É Música”, em A Gazeta, ES, um convite para os leitores acompanhassem o programa de Conover. O entusiasmo era tão grande que tornava o mundo pequeno e, com intimidade, conclamava meus leitores (quantos seriam?) a se deliciarem com o jazz apresentado. E tínhamos que regular o dial pois a transmissão era em ondas curtas e o chiado não era raro. Num desses programas descobri Bill Evans, solando “Stella By Starlight” com o quinteto de Miles Davis. Foi amor à primeira vista, melhor, à primeira audição. O programa de Willis Conover ficou no ar por quase 40 anos e teve uma audiência fabulosa no Leste Europeu em plena Guerra Fria. Inesquecível era a abertura do programa: “Take The A Train”, com Duke Elligton. No Youtube há resgates dessa abertura.



O jazz adquiria então uma postura ideológica, como não? Atravessa a cortina de ferro e leva a elegância e  liberdade do jazz. Durante a década de 60 o Departamento de Estado dos EUA promoveu a excursão pela Europa e África e Ásia dos “Real Jazz Ambassadors”, destacando-se os grupos de Dave Brubeck e de Louis Amstrong. Há a célebre gravação pela RCA do disco “Benny Goodman In Moscow, 1962”, registrando a estrondosa apresentação de Goodman na cidade coração da antiga URSS. Jazz com ideologia.

O jazz sofreu seus revezes nos anos 70 e se acondicionou num formato ora chamado de “jazz-rock”, ora de “fusion” ora "acid jazz”, enfim, uma variedade de rótulos que se apoiavam na tradicional estrutura de fazer jazz, ou seja, expor um tema e improvisá-lo livremente, a essa altura não importando o andamento ou ritmo. Bom frisar que nos anos 60 o jazz adquiriu uma das suas mais ousadas formas através do chamado “avant-gard” ou “free jazz”, tendo a frente nomes como os de John Coltrane, Eric Dolphy, Cecil Taylor, Andrew Hill, entre tantos.

Lá se vão 50 anos, meio século, que é mais contundente, e o jazz continua solto e bem vivo. Voltando ao início da conversa sobre jazz, num exíguo espaço, concluímos sobre a existência do jazz de direita, do jazz de cento e do jazz de esquerda. Quanto ao jazz de direita lembrei-me logo de alguns consócios do Clube das Terças que se reúnem semanalmente em Vitória, ES. Nele a maioria é de direita. Talvez eu e Mr. Lester sejamos simpatizantes do jazz de esquerda. Não que rejeitemos os méritos do jazz de direita, o conservador, pelo contrário. Respiramos a pura brisa da democracia. O jazz de centro, ou em cima do muro, é que talvez não tenha muita aceitação, só uma vez ou outra, só para refrescar, como preferem alguns consócios.

Nestes tempos de interatividade e ideologias rarefeitas, com o rádio em outro plano, o jazz assume um papel de vanguarda. Hoje podemos desfrutar da internet e, especificamente o jazz, nos proporciona um entretenimento inédito. Há um clube em Nova Iorque que transmite on-line sua programação. Para os frequentadores da cidade o endereço é  183 W. 10th St. Se lá forem e não tiverem tempo de irem ao clube, acessem a internet no hotel. Para nós, aqui embaixo da linha tropical ,também basta clicar e curtir. Os shows são entre 19h30m e 03:30m, horário de Nova Iorque.




Em tempo: trata-se de jazz de esquerda. Divirtam-se.



26 comentários:

  1. Excelente postagem que me traz as mais belas recordações de Conover, com quem "amadurecí" minhas caminhadas no JAZZ.
    Há um documentário com Willis Conover muito bem produzido pela "National Arts", em que ele fala de sua paixão pelo JAZZ, do programa, da recepção na Casa Branca etc.
    Felizmente gravei esse documento em VHS e o mantenho com carinho

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  2. Benvindo, Pedro Cardoso:
    Só quem viveu aquela época é que pode calcular o que representava aquele programa. A ansiedade da espera, a surpresa da programação, e, os longos papos após os programas.
    Um senhor locutor com uma senhora voz que virou mito além fronteiras dos EUA, principalmnte na América Latina e Leste Europeu.
    Maravilha você guardar esse documentário.
    E o que ele diria sobre o jazz de esquerda de hoje, hein ?
    Um grande abraço.

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  3. Ótima essa postagem mr.Coimbra, proporcionando-nos viajar no tempo e relembrar os bons momentos, sintonizando a "Voz da América" para ouvir jazz, através das ondas do rádio, muitas vêzes utilizando uma antena quilométrica de fio 16" presa no alto de uma goiabeira e com uma esponja de aço (vulgo bom-bril) na ponta do fio, para evitar o chiado. Eh, tempo bom !!!

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  4. Quantas pessoas têm um amigo assim?

    Grande abraço e parabéns pela excelente postagem, JL.

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  5. Prezado COIMBRA:

    Willis Conover sempre foi, além de conhecedor de JAZZ, um "desbravador", ainda mais no final dos anos 40 e início dos anos 50, em que tantos tentavam entender PARKER (tradicionalistas x vanguardistas em discussões estéreis e infindas).
    Se ainda tivesse mantido seu programa, com certeza programaria JAZZ de direita, de esquerda, do centro e, principalmente, dos céus, que abrigam o JAZZ.

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  6. Caro Mr. Mazzi:
    Seu pai, Manoel Mazzi, foi um mestre em elétrica/eletrônica e especialista em rádios, sendo inclusive um dos fundadores da Rádio Espírito Santo, portanto você deve ter herdado esse prazer de ouvir rádio. Eu mesmo até hoje tenho o meu Transglobe da Philco e, em cada cômodo da casa tenho um radinho a postos.

    A "era" Voice Of America é inesquecível.
    Lembra-se que também no Ibeu de Vitória, ES, na rua Graciano Neves tínhamos acesso àquelas fitas de rolo da Embaixada Americana ? Tudo graças ao decano Luiz Paixão.
    Tempo bom mesmo, mas, hoje está melhor.
    Um abraço.

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  7. Mr. Lester,
    Os familiares de Willis Conover agradecem a divulgação de sua memória via Jazzseen, o mais completo blog de jazz. É uma honra.
    Um grande abraço.

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  8. Agora entendi que Pedro Cardoso é o Apóstolo Jazz, responsável pelos mais pertinentes comentários os quais acompanho com muita atenção no Jazzseen.

    Você tem toda razão quanto a suposta posição de Conover sobre estilos e tendências do jazz. É bom lembrar que ouvíamos um material novo, o que de especial se fazia à época. Bom lembrar sobre a mente aberta que ele tinha. Quando vai digitalizr o seu VHS e brindar os amigos via Youtube ?

    Parece-me que você é paulista, mas naquele tempo, no Rio, tínhamos acesso a muito material na Biblioteca Thomas Jefferson, em Copacabana, esquina da A. Atlântica com Santa Clara, além de shows e empréstimos direto na Embaixada. Era o USAID que merecia ao mesmo tempo nossos protestos nas ruas na condição de estudantes.
    Yankes Go Home, mas deixem o jazz aqui !

    Obrigado pela oportuna intervenção.
    Um abraço.

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  9. Pois é, Mr. Salsa, naquele tempo havia uma chuva de bons programas de jazz.
    Imperdíveis eram o de Paulo Santos, na Rádio MEC, o de Silvio Tullio Cardoso, na Globo e, hoje, temos o Tolipan em pleno vapor na rádio MEC.Havia também um do Domingos Raffaelli, mas que ouvi pouco e o do J. Carlos, na JB AM
    Na terrinha capixaba ainda temos o Marien Calixte, "O Som do Jazz", e tivemos o de Reinaldo Santos Neves, !Momento do Jazz",na Universitária FM, o de Marco Grijó, "Clube do Jazz", na Cariacica FM, e os meus, "Tempo de Jazz", nas rádios Capixaba e Espírito Santo e ,"Domingo de Jazz e Bossa", na Gazeta FM, que fiz com Luiz Paixão.

    Bom recebê-lo nas alturas. Um abraço

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  10. Em tempo, Mr. Salsa;

    Como vc mesmo diz, assistiu a molecada mandando ver no Smalls ?

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  11. Prezado COIMBRA:

    Vivo em São Paulo, mas nascí carioca. No Rio estudei, trabalhei, formei-me e dei início à família que, felizmente, tenho.
    A Biblioteca Thomas Jefferson era ponto obrigatório de visitas e consultas, assim como visitar a biblioteca/fitoteca da Embaixada americana, na Presidente Wilson, bela fonte de "fitas de rolo", muitas das quais copiei em K7 e ainda possuo (VOA).
    É importante assinalar ao lado dos programas radiofônicos dedicados ao JAZZ citados, o de Luiz Carlos Antunes, o "Lula" ´(Rádio Fluminense-FM, 94.9, Niterói, terças feiras das 22 às 24 horas), "O Assunto É Jazz", fonte inesgotável do bom JAZZ, sempre irradiado ao vivo e que totalizou 29 anos no ar até 27/09/1994.

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  12. Meu caro Apóstolo Jazz:

    Provavelmente a gente se esbarrou numa dessas visitas. O charme da Thomas Jefferson era a saída, deslumbrando o mar, assim como o era sair do vizinho cinema Rian, ou mesmo do Miramar, no Leblon.

    Havia também aquela loja de discos numa sobreloja na rua Santa Clara, quase esquina da Domingos Ferreira, onde muitos medalhões se ruinam, entre eles o Paulo Santos, com aquele vozeirão, contando "causos jazzísticos".

    Também o Ibeu de Copacabana volta e meia apresentava shows, ou com uma turma nova ou com americanos desconhecidos.

    O programa do "Lula" era conhecido e comentado.

    Não me diga que frequentou também as matinês no Beco das Garrafas quando levávamos nossos pesados LPs (os importados pesavam mais) para ouvir naquela aparelhagem profissional do Lille Club.

    Seu acervo deve ser preciosíssimo.

    Essas lembranças estavam dormitando num pedaço de nossa felicidade.
    A vida “VOA” mas volta, vez ou outra.

    Um grande abraço e obrigado por remexer a história.

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  13. Volto a perguntar; quem tem amigos assim, como Pedro e Rogério e Salsa?

    Eu tenho!

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  14. Caro Lester,

    O jazz tem dessas coisas, une as pessoas e as tornam mais afáveis.

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  15. Dai a máxima de que "o JAZZ, além de ser a ARTE POPULAR MAIOR, serve para fazer amigos, inclusive aqueles que nunca vimos".

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  16. Caro Pedro, se assim posso chamá-lo.

    Retardatário, verifiquei que o Apóstolo Maior, o Chefe, de apóstolo voltou a ser Pedro, ou vice-versa. Que confusão. Não importa.

    Concordo sobre a ARTE POPULAR MAIOR. Nos anos 60 sempre provocava meus companheiros que o JAZZ era a arte do século XX, suplantando a arte dos Picassos, dos Joyces, dos Fellinis, enfim, foi a arte que se mostrou no início do século XX.
    Vida longa para o jazz, para o samba, para a bossa nova.

    Hoje o Salsa sopra em Vitória.
    Um grande abraço.

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  17. super coimbra... então anda conversando com apóstolos! muito bacana o diálogo de vocês. abraço e carinho, e muito jazz. sempre!

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  18. ah, sim... legal a diga do small. vou passar lá [via web] por enquanto. me lembrei do 'two saints' antigo 'five spot' boteco dos poemas/poetas beats... onde encontrei com mingus na porta! e tocando com um quinteto para quatro espectadores [eu sózinho e um cara com aspecto mafioso acompanhado de duas putas ! 1973! entrei no clima das memórias... outro abraço!

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  19. Meu bom Nenna,
    Você bem conhece NY.
    Não sei se esse lance é novo ou não.
    O link é:
    http://www.smallsjazzclub.com/

    Mande notícias do Taru.
    Um grande abraço, estensivos à Magali

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  20. Qualquer dúvida sobre o Smalls vai lá no Jazzseen, tem resenha dele por lá; abraço!

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  21. Jazzseen, é Jazzseen.
    Mr. Lester provavelmente lá esteve.
    Caro Danilo, recomende a Mr. Lester assistir à série Treme ( ler Tremê ) da HBO. É a história de New Orleans que ele também tanto conhece.Tem muito som e a boa direção é de Tim Robbins.

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  22. Prezado COIMBRA:

    Solicito que envie seu "email" para "apostolojazz@uol.com.br".
    Pretendo enviar-lhe texto com o resumo do documentário com Willis Conover, para seus arquivos (pode, se quizer, adaptá-lo, publicá-lo, utilizar no todo ou em parte, sem necessidade de indicar a origem = à sua decisão).

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  23. Prezado COIMBRA:

    Grato pelo endereço; em resposta o anexo sobre Willis Conover.

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  24. Não ouvi jazz na Rádio América, nem li essa aludida página de 1953.Muito lamento. Sim, eu era apenas um garotinho de 7 anos. Mas,já fazia,sem querer ,o meu próprio jazz: batia freneticamente nas panelas de casa.Para desespero de minha pobre mãe.
    Gostei dessa ideia sua, RC : a do jazz enquanto (sic) ideologia de liberdade ,a invadir o reprimido LÇeste Europeu. Original.Nunca eu lera isso antes.
    Quanto à preferência dos da Turma da Terça, já eventualmente vou lá, vou logo avisando: não sou de direita ,nem de esquerda (que me perdoe o meu saudoso tio Benjamom Carvalho Campos ! ) . Nem desses que ficam em cima do Muro de Berlim. Sou (graças a Deus ! ) um convicto anarquista. Como(creio) convém aos de espírito autenticamente jazzístico. (Marcos Tavares )

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  25. Não ouvi jazz na Rádio América, nem li essa sua aludida página de 1963.Muito lamento. Sim, eu era apenas um garotinho de 7 anos. Mas,já fazia,sem querer ,o meu próprio jazz: batia freneticamente nas panelas de casa.Para desespero de minha pobre mãe.
    Gostei dessa ideia sua, RC : a do jazz enquanto (sic) ideologia de liberdade ,a invadir o reprimido Leste Europeu. Original.Nunca eu lera isso antes.
    Quanto à preferência dos da Turma da Terça, já que eventualmente vou lá, vou logo avisando: não sou de direita ,nem de esquerda (que me perdoe o meu saudoso tio Benjamom Carvalho Campos ! ) . Nem desses que ficam em cima do Muro de Berlim. Sou (graças a Deus ! ) um convicto anarquista. Como(creio) convém aos de espírito autenticamente jazzístico. Friso: free jazz. (Marcos, o Tavares )

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