quinta-feira, 12 de abril de 2012

MARCO ANTÔNIO GRIJÓ, A VIDA DE UM BATERISTA.

Texto longo, até com um pouco de peso, já não usual nos anos 12. Mas, Vale Quanto Pesa, como dizia o reclame dos anos 40.




SURGIMENTO DO DESEJO 

Desde o jardim de infância, eu mexo com tambor, bato tambor. Sempre morei perto de escola de samba. Sempre gostei muito de ritmo, de coisas ligadas a ritmo. Primos meus me levavam muito para - coisas dos anos 50 – mambo, rumba, essas coisas. Eu morei aqui na Rua Sete, em Vitória, e vi nascer essas escolas de samba. Eu sou da época de blocos, batucadas, quando não tinha escola de samba. Depois, a coisa mais séria mesma, foi quando eu voltei para São Paulo. Eu sou daqui, mas sou nascido em Santos. Estudei uma boa parte da minha vida em São Paulo e em Santos e vinha aqui de férias. Eu vim para Vitória acreditando que aqui fosse ser uma redenção! Quando eu comecei a trabalhar com música em São Paulo, em 1963- 64, a coisa era muito boa. Estava assim acabando de alicerçar a bossa nova! 

Bossa nova para mim não foi só música. Na época, eu tinha 12-13 anos, e girava tudo sob um conceito de inovação. Tinha Brasília, Niemeyer, a obra de Villa-Lobos voltava. Era uma coisa, estava-se mudando a forma de pensar. Eu acho que foi indo, foi modernizando. Eu sempre gostei do Samba e da Bossa Nova, eu sempre tinha muita coisa do Haiti, música de ritmos, que são os ritmos brasileiros, uma mistura de origem da África com a Europa. 

O pessoal da minha casa sempre gostou de música, mas eu nunca tive um músico, assim, “meu ídolo”. Gosto de um bom baterista, gosto no geral, senão fica aquele negócio de idolatria. 

Na hora que a gente formou um conjunto, a bateria sobrou pra mim. Eu já gostava de ritmo, de acompanhar as coisas com a mão. 




FORMAÇÃO

A minha formação de músico não é bem acadêmica, porque eu não frequentei escola. Tive bons profissionais de música que sempre me ensinaram, que viram em mim alguma coisa. Então foram me dando orientações. 

Me virei sozinho, mas procurei seguir todo o trâmite regular, a coisa da didática: procurei métodos, fui entendo, trocava ideias com um, com outro. Eu não fui de ir à escola. Eu fui de encontro.
 

Minha formação é o que seria de todos nós: uns fazem ginásio e científico, outros fazem “clássico”. Por exemplo: as pessoas seguem as carreiras de advogado, engenheiro e tal, essa é a academia. Por esse ponto de vista, eu seria piloto de caça, que eu gosto muito de aeronáutica, mas... engraçado... eu fiz uns exames e minha audição não era muito boa! Aí eu caí para o lado da música.
 

Músico para mim era uma profissão, então eu tinha uma carteira profissional assinada. Aí eu vi como era difícil. Ainda mais num centro igual a São Paulo. Eu trabalhava a semana toda, de segunda a sábado, e tinha domingo remunerado.
 

A família sempre incentivou, não houve preconceito. Eu era assim, o tipo “bad boy” da minha época. A gente era assim, meio “enfant terrible”, meio esquerda, mexia com arte. Eu quis ser isso e trabalhei: aos dezessete anos, eu já tocava na noite em bares em São Paulo. Era totalmente diferente daqui: aqui você vai fazer um trabalho à noite e você precisa reunir seus amigos para bater palma para você! Em São Paulo, eu nunca me preocupei com isso. Eu vou lá para tocar, então eu tenho que comer, beber. A única coisa que a gente tinha com o que se preocupar era com as boas relações, fazer bons amigos. É a grande vitrine, o grande trampolim: você vai conhecendo e por aí vai. Na época, meus amigos Flora, Dom Um, Edson Machado eram muitos importantes. A coisa estava começando, então você tinha que ficar perto dos bons, se cercar dos bons.
 

Quando eu estudava em Vitória, o pai do Afonso Abreu era secretário de educação, e eles moravam em Cachoeiro. Por volta de 1956-57, eles vieram para cá. Eu estava estudando aqui e meus colegas de classe eram vizinhos de Afonso, na Praia do Canto e a gente se conheceu. E tinha esse negócio de música: ouvir música, fazer música. E um dia, decidi: “eu vou pra Vitória, vou terminar de estudar lá, vou dar um jeito na minha vida, vou me casar...”
 

Aí eu vim, terminei meus estudos, fiz contabilidade. Eu tinha trazido minha bateria. Quando eu vim pra Vitória, eu passei na casa do Afonso, e falei: ‘Eu estou vindo embora, com bateria, discos, roupas, papagaio. Vim com tudo". E fomos fazendo um conjunto aqui, outro ali, e chegamos ao “Mamíferos”, que era um grupo deles, que tinha aí: Arlindo Castro, Rogério Coimbra, Afonso Abreu, Sérgio Régis, Mario Ruy. Quem vai biografar a banda “Mamíferos” é Francisco Amalio Grijó. A gente mexia com literatura, música, fazia cultura, legal! Mas quando você faz as coisas aqui em Vitória tudo é muito interessante, legalzinho: “Que lindo! Vai lá em casa amanhã, tocar, depois: café, bolo, limonada, tal...” Mas não era bem assim, eu queria era tocar e ganhar dinheiro. Aí eu falei para Alfonso: “tudo bem que você seja convidado, que o cara te ofereça um jantar depois. Mas em São Paulo, estou acostumado a que um cara sentado numa mesa, mandando o pedido de uma música, pede ao garçom para servir champagne, uísque... ele pergunta o que vocês querem. E o trabalho tem que ser remunerado.”
 

Quando você está no meio, tem que se vestir de branco, colocar uma placa ‘doutor fulano’ e sair operando, entrar no centro cirúrgico, na cara de pau...
 

Se você me der um agulheiro e uma laçada de linha, eu sei usar. Eu sei pegar uma serra, serrar e montar um negócio barroco. Por quê? Porque na minha época, tinha isso: trabalhos manuais, canto orfeônico... Igual você vai para o jardim de infância: você vai aprender a amassar massinha... Isso são as habilidades destras, desenvolvimento motor, psicomotor... Música é harmonia, melodia e ritmo. Aí você vai juntando. Com um professor você vai fazendo a cabeça. Eu aprendi de tudo no colégio: clave de sol, clave de fá, clave de dó.
 

Fizemos boa música porque estávamos recém-saídos de colégio: Afonso fez vestibular e passou em Direito, o outro passou em não sei o quê, e todo mundo foi fazendo. Os meninos hoje são até universitários, mas não é porque eles estão numa universidade que eles vão ter uma cabeça melhor ou pior que a minha. Mas a minha, quando eu fiz, eu fiz legal! No final dos anos cinquenta, já estava me interessando por outras coisas, e veio a bossa nova, o ‘hip’ desajustado do Kerouac, dessa turma toda, “nouvelle vague”...
 

Eu viajei muitas vezes para o exterior: Estados Unidos, América do Sul. Fui a negócios, comprar instrumentos. Sempre que saí do Brasil, foi através do Ministério das Relações Exteriores, e para o interior foi através da Secretaria de Cultura.
 
MOMENTOS MARCANTES 

Gratificante, por exemplo, o meu primeiro trabalho profissional como músico: eu comecei tocando num baile, à noite. Fazendo a folga de um aqui, a folga de outro ali. Meu primeiro trabalho foi muito forte, porque tinha Paulo Autran, Teresa Rachel, Oduvaldo Vianna Filho, chamava-se ‘Liberdade, Liberdade’. Flávio Rangel como diretor, Oscar Castro Neves era o diretor musical. Quem me levou pra essa jogada foi Toninho Peti, Toquinho, grande amigo meu. Isso foi um negócio. Tinha uns dezoito anos... 

Meu primeiro trabalho de músico foi uma temporada. Eu saí de Santos, nós fizemos réveillon, janeiro e fevereiro num hotel em Campos do Jordão, e no final do contrato, o dono do hotel, Seu Henrique, um alemão velhinho, chegou e disse: “Vocês foram ótimos!”. E nós saímos de lá, com festas no Guarujá, festa na embaixada do Japão, em Brasília. 

Em Punta Del Est, estava tocando eu, Afonso e o Pedro. E o Pedro, o pianista, é o mais novo da gente. Paquito de Rivera era o diretor musical do festival, quer dizer um negócio só de nomes de peso, um monte de gente famosa. Eu disse: “Quando você está aqui é igual a todo mundo. Nós fomos convidados assim com eles foram convidados. O medo que você tem deles, eles têm de você. Vai faz o seu negócio e pronto!” Acabou e deu tudo certo, graças a Deus! Foi em 2006, o Festival Internacional de Jazz, no Uruguai. 

Eu toquei com todo mundo no Brasil, está tudo na minha parede: Hermeto Paschoal, Raulzinho, etc. Mas isso é uma coisa decorrente, normal da profissão. Em Vitória, quando você fala isso, as pessoas acham que você quer ser mais do que os outros. As pessoas falam: “Gilberto Gil é meu amigo”. Comigo não, o cara é meu amigo porque vivemos momentos na vida juntos. Se eu for contar minha vida a partir disso tudo, eu ia ficar dias falando aqui! Hermeto? Nós moramos juntos numa pensão, porque nós estávamos tocando junto num hotel. Meus amigos eram os amigos da onda, era o Claudio Willer, Roberto Piva, Mautner... Eram os caras que estavam tocando o movimento. 
PANORAMA ATUAL 

De 2000 pra cá, é que a coisa dá uma parada. Hoje em dia, você não vê mais nada. Você vê pessoas que passaram um bom tempo fora da música -Edu Lobo e outras pessoas- e que voltaram. Eu acho que da forma como a coisa tomou, a tecnologia foi para a ponta, e as coisas ficaram meio estagnadas. 

São poucas, as universidades no Brasil que têm um curso de música bom: Bahia, Brasília, alguma coisa em São Paulo e Rio, no Paraná, no Sul. O resto continua naquele esquema. 

A coisa tem que ser analisada. Na profissão, quando você tem uma carteira profissional, você é inscrito sob uma categoria, ou é autônomo, ou é patrão. E para viver de música você tem o quê? Em Vitória, você tem uma orquestra sinfônica, tem exército, marinha e aeronáutica... 

Músico é o cara que domina a ferramenta de trabalho dele, mas hoje em dia, é músico quem tem um instrumento na mão fazendo barulho. Esse é o músico. Não há uma coisa decente, é sempre um querendo derrubar o outro. E hoje com o gospel, as igrejas são donas dos negócios. Mas o músico só é músico lá, não pode tocar em outro lugar, que a igreja não vai deixar... 

É difícil quem pensa diferente num lugar pequeno, mas você fica na sua, você faz o que você quer, você não tem que dar satisfação de sua vida a ninguém! Se você quer fazer, vai lá! 





Texto chupinado de taru.art.com

3 comentários:

  1. Olá Rogério,
    Li a "conversa" do Grijó e atesto que "vale quanto pesa".
    em seguida à leitura, liguei para o próprio e falei do show que deram (Afonso Abreu Trio) no festival de Manguinhos, e do texto publicado em seu Blog.
    Ele ficou feliz. Falamos sobre assuntos da atualidade (para nós): artrose, joelho, dor aqui, dor ali... Mas isso foi só pra botar a conversa em dia.
    Ele gostou mesmo é de saber que você já o colocou no ar, ou já o postou, do verbo postar.
    Conheci Grijó há menos tempo, mas pintou uma empatia. Gostei dele e, embora nunca tenha perguntado, acho que ele gostou de mim.
    Sempre me trata muito bem. Gosto de Grijó.
    Já tomamos algumas cervejas no bar da esquina próxima da Rua Sete (não me lembro o nome), inclusive com Luiz Taj Mahal, grande bebedor, cantador e contador.
    Grijó é um baterista com enorme bagagem, que sabe lidar com os pauzinhos, tem sensibilidade pra caramba, sabe muuuiitto sobre músicas e músicos... e tem fama de muito reclamar. Eu conheço pouco essa face, além de uns bahhhsss que solta vez ou outra enquanto tocando.
    E, característica altamente positiva, quando marcado um evento, horas antes da hora ele já está lá, com a batera montada.
    Além disso, é chef (vou enviar uma foto).
    No frigir, é um músico respeitado, com experiência internacional, e, para mim, muito gente boa!
    Abraço,

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  2. Caro Victor:
    Bom saber que você "linkou" Grijó. Coisa de músico, como vocês o são.
    É um profissional a ser respeitado e sempre bem lembrado. Foi o Maestro de Os Mamíferos e do Mistura Fina. Sua acuidade musical sempre deu o tom certo aos que com ele tocaram.
    Faz parte de nossa história musical.
    Um grande abraço.

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  3. Em tempo:
    Os bahasss que ele solta são para reclamar de seus parceiros que "atravessam" o ritmo, muito frequentes.

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