sábado, 14 de abril de 2012

ROCK LAMA.



 Não vi só braveza de Tapuias ou a luta dos Timbiras, mas a valentia de idealizadores de festivais de rock que não alcançaram seus objetivos. A história desses movimentos e memoráveis tentativas tem como referência o frustrado “Festival de Verão Guarapari”, o “Guaraparistock”, de Antônio Alaerte e Rubinho Gomes, em 1971, ou, o festival do baterista Canjica, em meados dos anos 70, com ampla divulgação de cartazes e panfletos, mas que foi brecado devido à precoce prisão de seu organizador. Ou então o “Festival de Música de Jacaraipe”, com um palco flutuante na própria lagoa de Jacaraipe, produzido pelo jornalista Ronaldo Montalvão, em 1982, mas que devido a divergências com o governo municipal, afundou no último momento, cancelando a apresentação de Ronaldo Resedá. Aconteceram outros bons encontros no camping da Barra do Jucu, organizados pelos Pignatons, e, depois, movimentos na praça da Cruz do Papa.


Uma dupla conseguiu realizar um evento para ficar na história: o Rock Lama de Juvenal e Vera Lúcia.


Curiosamente a expressão “lama” é familiar aos ilhéus capixabas. Poderia haver uma associação aos caranguejos, tão abundantes nos seus manguezais. Mas não. Lama é uma área urbana próxima à Universidade Federal do Espírito Santo, notadamente, Rua da Lama. Chamou-se Rua da Lama porque lá, no final dos anos 1980, era uma rua não pavimentada e, quando chovia, era pura lama. Hoje é um corredor gastronômico e boêmio com enorme assédio de jovens, intelectuais e universitários, uma clientela fiel à sua formação original.


Vamos voltar no tempo. Eu vi, àquela época, quando se fez a luz e o movimento de lama que era “limpeza”, purgativa, um convite ao novo, ao inexplorado. Ensaboava-se na lama. Eu a vi transformar-se em confeito de um reluzente bolo negro de asfalto cercado de luzes. E vi crianças com os pés descalços, calças enroladas pelas pernas, o peito nu e o incessante movimento dos corpos ao responder ao lascivo som das guitarras e ao motórico bater dos tambores. Era o Rock Lama.
A Lama surgiu na era Collor. A proximidade geográfica, promíscua, entre a UFES e a “Lama”, conduziu uma aventura de liberdade do campo do conhecimento junto ao campo da luta existencial, num intrépido “Balão Mágico”.
Vivia-se o governo de Collor, no meio da lama, com uma inflação de 30% ao mês, e pessoas e bichos movimentavam-se pelos bares “Socó”,” Mudando de Conversa”, o “Argentino” e suas empanadas, o mix “Raiz Quadrada” e o “Cochicho da Penha”, ainda vivo e fiel à sua história.


Dois jovens à época foram responsáveis pelo surgimento do Rock Lama: Juvenal e Vera Lúcia. Eles se desdobravam para levantar dinheiro para realização dos shows. Tudo era difícil com uma inflação de 30% ao mês. Um litro de gasolina custava Cr$ 360,00, o pedágio da III ponte era Cr$ 600,00 e a passagem do Transcol, Cr$300,00. Um cobiçado CD, Cr$ 10.000,00. O dinheiro era curto e até o governador Albuíno Azeredo não deixou de passar o pires frente aos reis Carl XVI Gustav e Silvia, da Suécia, que, na ocasião, faziam uma visita à sua empresa Aracruz Celulose. Imaginem Juvenal e Vera Lúcia querendo dar brilho à lama.


A data do primeiro espetáculo: Sete de novembro de 1991. Nasceu embaixo de chuva, como não poderia deixar de ser. Destacaram-se grupos que curiosamente evocavam nome de bichos: “Lobo Mau”, “Zoopatia”, “Lordose Pra Leão” e “Urublues”. Seriam reminiscências dos velhos “Mamíferos” dos anos 60?
Somaram-se também na estreia o “Companhia 95” e a “Banda II”, grupo sob a batuta do maestro Jaceguai Lins e que fez a primeira leitura moderna do tradicional congo, valorizando uma manifestação popular há muito esquecida pela mídia e pela classe média.


O Rock Lama teve ainda mais duas edições, em 1992 e 1993, quando se sobressaíram grupos como “Hands Of Death”, “Paletó de Madeira”, “Sub Viventes” e, “The Rain”, cujo baterista é o hoje jornalista e escritor José Roberto Santos Neves que, ainda esse mês, lança a história completa das bandas de rock no Espírito Santo.


Fica aqui um lembrete de que o Rock Lama existiu e que deve ser sempre lembrado, assim como o espírito incansável de Juvenal e Vera Lúcia.


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5 comentários:

  1. Super legal essa história, Coimbra.
    História de 20 anos apenas, ainda com lama e tudo, não necessariamente o boom do rock dos anos 80.
    Valeu o texto e o registro.
    Abração.
    Ernani Salles.

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  2. Nossa, eu era uma criança super inocente, um anjinho. Mas é tudo rock and roll, não, Rogério.
    Beijoca.

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  3. Sr. Coimbra
    Anos 60 ou 80, não importa o tempo.
    O que vale,é o sonho e a mágica da boa música.É real.
    Saudações,
    Lua Branca

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  4. Isso Lua Branca, o tempo não existe.
    Obrigado pela visita

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  5. Que legal seu blog Coimbra, Adorei os posts e esse dos festivais me chamou a atenção, gosto de ler artigos sobre a cultura capixaba, o que não é muito vigente infelizmente. Fui criado em Guarapari ouvindo estórias sobre o festival de 71 de moradores e artistas como Morais Moreira e Paulo Sodré quem me contou detalhadamente a tragédia que envolveu o Tony Tornado. Fiquei saudoso em ver a foto do palco na Lama, eu estava lá no show dos Mamíferos... Valeu Rogério!

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