quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
FADA MADRINHA.
Fada Madrinha.
Rogério Coimbra.
Perambulava pelo mundo em 1976 quando fui recolhido por Beatriz Abaurre, então presidente da extinta Fundação Cultural do Espírito Santo. Sua gestão foi breve, mas intensa. Realizamos importantes projetos para a cultura local, no meu caso especificamente, para a música regional. A série “Noites Capixabas” pela primeira vez levou ao palco do esnobe Teatro Carlos Gomes nomes que construíram a história da música popular espiritossantense como Nestor Lima, Harley Quitaes, Maestro Antônio Paulo, o pai, Joracy Serrano, Silvio Roberto e a ala de compositores da Unidos da Piedade. Eleisson de Almeida era o apresentador, um luxo. Houve protestos vindos do Palácio Anchieta – como essa gentalha poderia frequentar uma requintada sala de espetáculos? Lembro-me de um cachacista convicto, sambista por profissão, que não parava de cuspir no foyer. Jarbas Silva, eterno guardião do teatro, elegante como sempre, pedia generosamente para o cachacista sambista não cuspir no foyer. Fio, foier o quê? Cospe meu , cospe, disse eu, esse chão também lhe pertence. Está bem, Rogério, mas pede para não cuspir muito, pois o show já vai começar, já tocou o terceiro sinal. Isso tudo sob a benção da presidente Beatriz Abaurre.
Sob sua benção realizamos também um espetáculo inesquecível em 17 de março de 1977: Art Blakey & Jazz Messengers, no ginásio de Esportes da UFES. Foi o próprio lendário baterista que declarou em papo informal que em Vitória, sua última escala de uma extensa excursão pelo Brasil, tinha sido o melhor show que havia feito. Isso porque o ginásio estava lotado de jovens e um deles, pulou para o palco, em pleno show, para lhe oferecer um joint, ou seja, um baseado mesmo. Thank...,later, later..., gritou, enquanto rufava os tambores com um enorme sorriso. Também graças à campanha criada por mim e o saudoso Arlindo Castro na rádio Espírito Santo onde Edu Henning bravejava: Atenção cocotas, surfistas e ciclistas, venham conhecer o baterista que influenciou Jimmy Hendrix. Propaganda enganosa, eu sei.
Minha ex-presidente proporcionou-me também a oportunidade de participar do II Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira, realizado em outubro de 1976, no auditório do MEC, no palácio Gustavo Capanema, aquela maravilha arquitetônica projetada por Lúcio Costa, Carlos Leão e Oscar Niemeyer, pitacos de Le Corbusier. E lá conheci gente como Lúcio Rangel, Fernando Lobo, Capiba, Capitão Furtado, Sérgio Cabral, entre muitos, e cinco que se tornaram meus amigos, em particular o paraense Waldemar Henrique (Tamba Tajá), o historiador carioca Ary Vasconcelos, o malandro jornalista carioca Roberto Moura, esses já encantados, e o incansável produtor paulista, João Carlos Botezelli, o Pelão, além do pesquisador mais importante que este país já teve José Ramos Tinhorão, hoje com 82 anos. Aprendi e ainda aprendo muito com eles, graças à minha fada madrinha.
No entanto a fada Beatriz realizou o melhor dos meus sonhos quando ajudou a mim e à minha então colega Carmélia M. de Souza, a realizar, em 1965, o show “Depois do Carnaval”, no antigo Iate Clube do ES. Manoel Nalim, Carmélia e eu desenhamos esse evento para despertar a sonolência pós carnaval e que teve ativa participação do meu blogueiro chefe Don Oleari como narrador mestre. Os músicos eram Jorginho Seade, Afonso Abreu, Mário Ruy e Virgínia Klinger. Melhor descrição é o da própria Fada Beatriz, publicado pela Prefeitura de Vitória, em 2000, em “Escritos de Vitória – Vitória de Todos os Ritmos, n° 19”:
Lembra-se de quando teve início nossa indestrutível amizade (ou seria cumplicidade?). Você, Rogério Coimbra e Carmélia de Souza, a “Féia”, que não conhecia uma nota musical sequer, mas delirava com a música que tocavam, sempre com o eterno copo de uísque na mão, os olhos brilhando atrás de seus óculos de armação escura – uma espécie de guru ou fada madrinha, responsável artística pelo evento apresentado pelo impecável e elegante Oswaldo Oleari e com direito ao maravilhoso canto de Virgínia Klinger – sempre presente e eterna mentora intelectual das idéias mais brilhantes e inconcebíveis.
Foi assim que um dia invadiram minha sala, ousando pedir meu piano emprestado para a festa de aniversário do nosso quase privativo Iate Clube – uma verdadeira ilha dentro de outra ilha. Como não ceder a tal poder de persuasão? E desce o piano ladeira abaixo, janela arrancada com tijolo, argamassa, vidros, caixilhos de madeira e parte da parede jogada ao chão, apenas os cachorros vigiando a casa arrombada.
Assim disse Beatriz: se Carmélia era uma fada então sou privilegiado de ter tido duas fadas madrinhas: a Bia e a “Féia”.
01.12.2010.
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