domingo, 26 de dezembro de 2010

São Benedito.

São Benedito.

Papai Noel não existe. Essa revelação aconteceu graças a um amigo da onça de meu pai, Bernardo Gonçalves. Não sei se a fantasia foi precocemente destruída, mas aquele Natal de 1955 na varanda do nosso apartamento no edifício Antenor Guimarães, na Praça Costa Pereira, em Vitória, foi especial, muito mais iluminada. Vida nova.

Nessa mesma varanda eu me debruçava para ver passar uma procissão religiosa, movida à ruidosa banda de música. O séquito, composto de negros e mestiços em sua maioria que usavam trajes brancos trançados por uma faixa azul e entoavam agudas melodias além de sacudirem barulhentas matracas. Ao final surgia um andor balançante no qual se equilibrava uma pequena imagem de um santo escuro. Era São Benedito. Anos mais tarde vim a descobrir que se tratava da procissão de São Benedito da Irmandade da Igreja do Rosário cuja tradição de devoção ao santo negro em Vitória remontava a 1833 e que se manteve até o início do século XX. Essa peça de resistência desapareceu na ilha nos anos 1950. 

Por todo o Brasil festeja-se São Benedito a cada final de ano, ou em datas diferentes. Convivi com a tradicional festa de São Benedito no município de Serra quando por dois anos fiz parte da organização desse mega evento religioso, realizado entre 8  e 26 de dezembro.Impressiona a mobilização da cidade em torno da organização dessa festa. A devoção supera todas as dificuldades e claro que o profano vem atrás, o que torna a festa mais turbinada.
O ciclo festeiro tem início em oito de dezembro, dia da padroeira da Cidade, Imaculada Conceição. A festa obedece ao seguinte roteiro: cortada, puxada, fincada e derrubada do mastro. O mastro desfila no primeiro domingo após oito de dezembro arrastado por uma junta de oito bois enfeitados com flores e seguidos por centenas de cavaleiros inquietos e destemidos a agitar a multidão que ladeia a procissão. Pelo menos cinco bandas de congo lideram a procissão seguida da tradicional Banda de Música Estrela dos Artistas. No Natal, uma réplica de navio é puxada com o mastro, e dia 26, dia do santo, o mastro é fincado em frente à matriz da cidade e por lá fica até domingo de Páscoa do ano seguinte, quando é derrubado. É uma verdadeira ópera de incontáveis atos movida à fé de centenas de milhares serranos e visitantes.

Em Vitória, quando posso, não me canso em ver a banda passar pela Reta da Penha nas tardes do dia de Natal; vejo e vibro com Reginaldo Salles e seu filho Reginaldinho conduzindo a banda de congo Amores da Lua arrastando uma multidão e a imagem de São Benedito.

Se no meu Natal desde há muito o Papai Noel existe com reservas, São Benedito passou a frequentá-lo naturalmente. E não deixo de escutar o coro popular gritar carinhosamente: Viva São Benedito, ele é preto e é bonito.

2 comentários:

  1. Vou visitar essa turma; o batuque deve ser bom.
    João Freitas, de Palmas.

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  2. Desculpe, mas centenas de milhares? Duas centenas, tres? Pôxa!!!

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